Saúde

Síndrome da transfusão feto-fetal pode ocorrer na gestação de gêmeos

Doença rara atinge 1 caso em cada 3.500 nascimentos de gêmeos

A Síndrome de Transfusão Feto-Fetal (STFF) é uma complicação rara, que pode ocorrer na gravidez de gêmeos que compartilham a mesma placenta. É diagnosticada por meio da diferente quantidade de líquido amniótico entre as duas bolsas dos dois fetos. O tratamento consiste em uma intervenção cirúrgica, minimamente invasiva, na qual é feita uma coagulação a laser dos vasos sanguíneos, impedindo o desequilíbrio na circulação de ambos os fetos. Após a realização do procedimento, já se pode perceber o restabelecimento do equilíbrio hemodinâmico entre os fetos. O tratamento é feito no final do segundo e no início do terceiro trimestre de gestação.

“As gestações gemelares são classificadas de acordo com o número de placentas. As gestações gemelares em que os bebês dividem a mesma placenta são denominadas gestações monocoriônicas. Essas correspondem a aproximadamente 20% das gestações gemelares espontâneas e 5% das gestações obtidas por meio de técnicas de reprodução assistida”, esclarece Fábio Peralta, médico obstetra especializado em medicina fetal (fetólogo), cirurgião-chefe da Gestar Centro de Medicina Fetal. Segundo o especialista, as gestações monocoriônicas apresentam um maior número de complicações fetais e neonatais quando comparadas às gestações em que cada bebê tem a sua própria placenta separada (gestações dicoriônicas).

Na gestação gemelar monocoriônica, há comunicações ou anastomoses entre os vasos da placenta, que permitem que as circulações dos dois fetos entrem em contato. Estas anastomoses podem acontecer entre as veias, entre as artérias ou entre as artérias e veias. As anastomoses entre artérias e veias são comunicações profundas, ocorrendo no nível das vilosidades da placenta e possibilitando fluxo de sangue em apenas uma direção, sempre no sentido da artéria para a veia. Entretanto, em torno de 10 a 30% das gestações monocoriônicas há um desequilíbrio na troca sanguínea entre os gêmeos por meio das anastomoses mencionadas, o que permite o desenvolvimento de uma condição clínica conhecida como Síndrome de Transfusão Feto-Fetal (STFF). Nesta situação, há um feto denominado feto doador que acaba por “doar sangue” para o outro feto denominado feto receptor, basicamente pelas anastomoses artério-venosas.

O feto doador pode ficar anêmico e consequentemente urina menos, o que leva a uma diminuição do líquido amniótico (oligodrâmnio). O feto receptor pode apresentar aumento do volume sanguíneo (policitemia), desenvolvendo aumento do volume de líquido amniótico (polidrâmnio).
Segundo Peralta, a Síndrome da Transfusão Feto-Fetal (STFF) pode ocorrer em 1 caso de cada 3.500 nascimentos.

Classificação

A STFF pode ter apresentação clínica variável. Em decorrência disso, estudiosos sugeriram classificá-la nos seguintes estágios:

  • Estágio I: Diferença entre os tamanhos das bexigas fetais e entre a quantidade de líquido amniótico nas duas bolsas (doador com maior bolsão de líquido amniótico menor do que 2 cm; receptor com maior bolsão de líquido amniótico maior do que 8 cm até a 20ª semana de gravidez e maior do que 10 cm após esta idade gestacional).
  • Estágio II: Feto doador fica com a bexiga permanentemente vazia e sem líquido amniótico (Stuck twin), enquanto o receptor apresenta bexiga distendida e aumento do volume de líquido amniótico de acordo com os critérios descritos no Estagio I.
  • Estágio III: Começam as alterações hemodinâmicas em um ou ambos os fetos, que são evidenciadas com o uso da ultrassonografia com estudo Doppler (Feto doador: aumento de pulsatilidade no Doppler da artéria umbilical; Feto receptor: aumento no índice de pulsatilidade / ausência ou inversão de fluxo durante a contração atrial no ducto venoso – onda A).
  • Estágio IV: O feto receptor desenvolve insuficiência cardíaca e edema generalizado, com acúmulo de liquido nas cavidades corporais (hidropsia).

Para o médico, os estágios II, III e IV são considerados estágios graves da doença e se o tratamento não for instaurado, ocorre óbito de pelo menos um dos gêmeos em 95% dos casos, levando também a danos neurológicos no sobrevivente em 50 a 100%.

Tratamento

As terapias disponíveis são a amniodrenagem seriada e a ablação a laser dos vasos placentários. A amniodrenagem consiste na retirada do excesso de volume do líquido amniótico da bolsa do feto receptor. Tem a vantagem de ser um procedimento tecnicamente fácil. Proporciona a diminuição do volume de líquido amniótico e permite o prolongamento da gravidez, sem, no entanto, eliminar a causa da doença. Os estudos mais recentes sobre o uso dessa técnica mostram sobrevida de 47 a 91% de pelo menos um dos fetos, com a ocorrência de danos neurológicos nos sobreviventes em 22 a 55% dos casos.
A ablação a laser dos vasos placentários é a melhor opção terapêutica em casos de síndrome de transfusão feto fetal grave. Consiste na oclusão dos vasos da placenta com o uso do laser, por visibilização direta na superfície placentária, através de uma mínima incisão por onde é introduzido um fetoscópio (pequena câmera). É realizada inicialmente uma varredura da placenta com identificação das anastomoses artério-venosas. A seguir apenas essas comunicações são ocluídas o que é denominado ablação seletiva das comunicações artério-venosas profundas entre os bebês. A seguir, uma ablação das mínimas comunicações superficiais é realizada. Essa técnica é denominada de técnica de Solomon e apresenta menor taxa de complicações pós-operatórias e menor taxa de necessidade de repetição do procedimento, quando os vasos não são ocluídos de forma seletiva.
Fábio Peralta é ginecologista, obstetra e cirurgião fetal, graduado em medicina e residência médica em ginecologia e obstetrícia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, pós-graduado pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado em medicina fetal no King’s College Hospital – Universidade de Londres. Foi um dos pioneiros das cirurgias fetais no Brasil. Atualmente é médico responsável pela cirurgia fetal no Hospital do Coração de São Paulo (HCor); Hospital São Luiz, Cetrus e na Gestar Centro de Medicina Fetal. Coordena o programa de pós-graduação (lato sensu) em medicina fetal do Cetrus em São Paulo.

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