Quando a raiva vira um verdadeiro transtorno
Todos nós ficamos com raiva vez ou outra. Talvez aquele seu colega de trabalho esteja coberto de razão de estar morto de ódio por ter perdido todo o dia de trabalho porque o computador simplesmente pifou antes de salvar o relatório. Mas, o que dizer daquele amigo ou familiar que parece viver à beira do limite, que esperneia, xinga, quebra coisas e se descontrola por qualquer razão?
Será que ele teria apenas o “pavio curto” ou algo a mais?
“Ataques de raiva repetitivos e desproporcionais aos motivos que serviram de provocação podem ser sinais do Transtorno Explosivo Intermitente (TEI), um tipo de Transtorno de Controle de Impulsos (TCIs). O TEI se caracteriza por episódios graves e isolados de agressividade de forma desproporcional aos eventos que os desencadearam. Em geral, são precedidos de um fator estressante e seguidos de profundo arrependimento”, explica a psicóloga Fernanda Queiroz, cofundadora da Estar Saúde Mental.
TEI atinge 3 em cada 10 brasileiros
Mas, atenção: alguns dias de fúria não são suficientes para que se constate que alguém tem este transtorno. Os critérios para o diagnóstico, entretanto, ainda são motivo de debate. Alguns especialistas acreditam que a especificação de um número de ataques por ano – hoje é de três episódios em 12 meses – não é suficiente para delimitar o problema. Até a classificação da OMS parece apontar que não há critérios totalmente definidos.
Estimativas feitas pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo dão conta de que no Brasil, 3 em cada 10 brasileiros são portadores do transtorno. No mundo, os levantamentos apontam para a mesma taxa de prevalência, embora muitos estudiosos afirmem que como o TEI tende a ser subdiagnosticado, esse número seria bem maior.
A origem da fúria
Embora os sintomas sejam bastante visíveis e perceptíveis, ainda não se chegou às causas. “O mais provável é que seja uma combinação de fatores biológicos e emocionais.” Sabe-se, por exemplo, que pessoas com histórico familiar de dependência química ou de desordens do humor têm maior predisposição para desenvolver esse transtorno. Crianças criadas em ambientes disfuncionais também, como por exemplo, pai ou mãe alcóolatras ou violentos.
Um dos estudos mais recentes a respeito, publicado em 2014 na revista médica JAMA Psychiatry, sugere que haveria uma ligação entre dois marcadores de inflamação – a proteína C reativa e a interleucina 6 – e impulsos agressivos. A pesquisa, entretanto, acompanhou um grupo bastante pequeno. Foram apenas 200 pessoas. “Outras teorias apontam para alterações em neurotransmissores como a serotonina, hormônio ligado à sensação de prazer”, comenta Fernanda.
Depois da raiva, a culpa
Os ataques geralmente são seguidos de culpa e remorso e não raro, os pacientes acabam acometidos por depressão, ansiedade e podem abusar de álcool ou de outras substâncias.
Assim como outros distúrbios do impulso, o TEI traz inúmeros prejuízos ao paciente e às pessoas que o cercam. A desordem pode levar ao fim de casamentos, à perda de empregos, à suspensão da escola ou universidade, entre outros. Um levantamento feito pela Universidade de Harvard (EUA) chegou a estimar que, durante a vida, o prejuízo material para o paciente chegaria a quase US$ 1.500 (ou aproximadamente R$ 4.500) só em destruição de propriedade própria ou alheia.
Terapia
Segundo Fernanda, o primeiro passo é reconhecer a frequência e a intensidade desses ataques. “O ideal é procurar um psiquiatra e também iniciar uma psicoterapia, que pode ser a abordagem da Terapia Cognitiva Comportamental (TCC), amplamente usada para a TEI, com resultados favoráveis, principalmente no controle da agressividade. É importante entender que esse transtorno causa enormes prejuízos sociais, profissionais e acadêmicos. Por isso, quanto antes for diagnosticado e tratado, melhor”, conclui Fernanda.