Técnicas de vanguarda aprimoram diagnóstico da epilepsia
Autoridades da área de saúde estimam que 1% da população mundial, algo como 70 milhões de pessoas, contingente próximo ao da população da França, é portador de algum tipo de epilepsia. Nem sempre, porém, o diagnóstico desse transtorno cerebral pode ser feito com precisão, devido à complexidade de alguns casos. Pesquisa realizada para a tese de doutoramento do físico médico Brunno Machado de Campos, defendida na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, desenvolveu duas técnicas que auxiliam na identificação da doença, a partir de avaliações das conectividades estrutural e funcional do cérebro. O resultado do trabalho, orientado pelo professor Fernando Cendes e coorientado pela professora Ana Carolina Coan, é considerado muito promissor. A pesquisa foi contemplada com Prêmio Capes de Teses 2017 na área de Medicina I.
Campos tem investigado o uso de técnicas de neuroimagem para o diagnóstico da epilepsia desde a iniciação científica, quando ainda cursava a graduação e fez a iniciação científica e tese para conclusão de curso no Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW). No doutorado, ele decidiu empregar métodos considerados de vanguarda para avaliar as conectividades estrutural e funcional do cérebro. O primeiro tipo de conexão, explica o pesquisador, é realizado pelos neurônios, que apresentam um corpo celular e um prolongamento denominado axônio, por onde as informações são transmitidas. “Para fazer uma analogia simples de compreender, os axônios são como estradas por onde as informações trafegam”, compara.
Para avaliar a conectividade estrutural, o pesquisador utilizou um protocolo de imagem específico que permite enxergar como as informações transitam pelo axônio, mapeando o deslocamento da água. “Através dessa técnica, nós conseguimos verificar, por exemplo, como a água está se deslocando. Com isso, temos como reconstruir virtualmente os axônios e estabelecer essa malha de estradas de forma anatômica. A conectividade estrutural pode avaliar a microanatomia do cérebro. Ao observarmos essa microanatomia, nós temos como identificar se algum problema está interferindo no trânsito das informações. Se isso estiver ocorrendo, pode ser uma pista que leve ao diagnóstico da epilepsia”, pormenoriza Campos.
Já a conectividade funcional, prossegue o autor da tese, está relacionada à conexão entre regiões distintas do cérebro, sem que necessariamente haja uma ligação anatômica entre elas. Em outras palavras, essas regiões podem estar separadas fisicamente, mas devem manter sincronicidade entre si. “Nosso cérebro tem várias redes. As de repouso, por exemplo, ajudam a consolidar a memória e o aprendizado. Existem também as redes motoras, as da linguagem, as auditivas etc. Assim, quando uma região apresenta um alto nível de oxigênio, a região correlata, mesmo distante, também tem que apresentar a mesma característica. É essa sincronicidade que faz com que essas regiões estejam funcionalmente conectadas. Se uma está com baixo funcionamento, a outra também precisa estar”, define Campos.
Caso as regiões cerebrais não estejam sincronizadas, observa o pesquisador, isso constitui indício de que pode haver algum problema que precisa ser melhor investigado. “O que nós fizemos com o auxílio dessas técnicas foi identificar o padrão de funcionamento das conectividades estrutural e funcional do cérebro. Cada uma tem uma espécie de assinatura, que nos permite verificar se as conexões estão ou não ocorrendo da forma esperada”, reforça o físico médico, que desenvolveu softwares específicos para fazer as análises. “No caso da conectividade funcional, desenvolvi uma ferramenta computacional em código livre, que está disponível para download na internet. Em quatro anos, já foram feitos cerca de 500 downloads, com origem em 23 países. Quanto à conectividade estrutural, o software foi desenhado para uso restrito do Laboratório de Neuroimagem, que é coordenado pelo professor Fernando Cendes, devido às peculiaridades do trabalho que realizamos”, esclarece.
Durante a pesquisa, Campos considerou diferentes grupos de pacientes com distintos casos de epilepsia e os comparou com grupos controle. “Nós avaliamos 12 redes funcionais de repouso. Investigamos a interação dentro de cada rede e também a interação entre elas. Nós conseguimos estabelecer, por exemplo, que a epilepsia de lobo temporal direito é diferente da epilepsia de lobo temporal esquerdo. Teoricamente, é a mesma síndrome, mas que apresenta diferenças dependendo do lado em que o problema está localizado. Isso já representa um avanço importante. A ideia é continuarmos aperfeiçoando as técnicas, de modo a refinarmos o diagnóstico da doença de forma totalmente automatizada, reduzindo o viés humano tanto quanto possível”, diz.
Em seu trabalho, o pesquisador também estudou as epilepsias não lesionais, aquelas cujos pacientes apresentam a síndrome epilética, mas não apresentam alterações visíveis nas imagens. “Esses pacientes seriam candidatos a um tratamento cirúrgico, mas ocorre que eles não apresentam lesões que possam ser visíveis por meio de exames de imagens, o que cria dificuldade para o médico planejar a intervenção”, ilustra o físico médico. E continua: “Ao analisarmos os padrões das conectividades, nós constatamos que, no âmbito estrutural, esses pacientes realmente apresentam resultado não lesional. Entretanto, no plano funcional é possível identificar alterações muito sutis, que variam de sujeito para sujeito. O próximo passo, como já dito, é aperfeiçoar a técnica para tornar esse diagnóstico ainda mais preciso”, entende Campos.