Pesquisa pioneira conduzida no Laboratório de Genética do Câncer (Lageca) da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) fez a reconstrução tridimensional do tumor de cabeça e pescoço, denominado carcinoma de células escamosas de cavidade oral.
No Brasil, este é o quinto tipo de câncer mais comum entre os homens, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca). O objetivo era avaliar se a reconstrução tridimensional seria útil para demonstrar com mais detalhes a topografia e extensão do câncer e auxiliar o cirurgião na extração do tumor.
Para o estudo foram selecionados 28 pacientes com o tumor que haviam sido atendidos, anteriormente, no Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp. Os tumores foram avaliados por meio de tomografia computadorizada de pescoço, que fornece imagens em duas dimensões. Eles foram removidos por cirurgia e avaliados de forma convencional por exame anatomopatológico, para verificar se a remoção cirúrgica havia sido completa.
Após essas etapas, os pesquisadores utilizaram um programa de computador chamado de InVesalius para reconstruir as imagens do tumor em três dimensões. O InVesalius é um software de fácil aquisição via internet compatível com qualquer sistema operacional de computador. Ele é utilizado para gerar reconstruções virtuais tridimensionais de estruturas do corpo humano com base em imagens adquiridas por tomografia computadorizada ou ressonância magnética.
“Até onde sabemos, não há outros estudos sobre o papel do InVesalius em tumores”, disse o odontologista João Pedro Perez Gomes, autor do trabalho.
Os resultados fazem parte da pesquisa Carcinoma de Células Escamosas de Cavidade Oral: Reconstrução Tridimensional por Meio de Software Médico Livre, defendida por Gomes dentro do programa de pós-graduação em Clínica Médica. A orientação foi dos professores Carmen Silvia Passos Lima e André Luiz Ferreira Costa.
Um dos casos relatados na pesquisa é de um paciente de 72 anos de idade que compareceu ao HC da Unicamp para investigar uma lesão labial. Após biópsia e confirmação de carcinoma de células escamosas, o paciente foi submetido à tomografia computadorizada, que evidenciou um tumor volumoso no lábio inferior, sem comprometimento da mandíbula.
Foi realizada a segmentação manual do tumor para a reconstrução tridimensional e também a reconstrução do esqueleto pelo InVesalius, para verificar se o tumor infiltrava a estrutura óssea. Com a utilização de outras ferramentas do software, foi possível alterar a cor das estruturas e individualizá-las.
O modelo tridimensional permitiu analisar a localização, a morfologia e a extensão do tumor no lábio. O tumor em imagens tridimensionais foi maior do que visto em imagens bidimensionais. Não foi visualizada infiltração óssea pelo tumor também pelo modelo tridimensional.
“Desta maneira, nosso estudo retrospectivo sugere que imagens tridimensionais podem avaliar a extensão do tumor de forma mais precisa do que as imagens bidimensionais”, disse Gomes.
Uma paciente de 45 anos de idade, tabagista de 20 cigarros por dia há 15 anos, é outro caso estudado por João e que resultou, ainda, num artigo recém-publicado no Oral Surgery, Oral Medicine, Oral Pathology and Oral Radiology Journal.
A paciente chegou ao HC com uma fístula gengival a qual se supunha ser causada por falta de higiene bucal e problemas dentários. Entretanto, a tomografia computadorizada revelou uma massa expansiva no palato e no seio maxilar. A biópsia revelou um carcinoma odontogênico de células fantasmas no pálato e seio maxilar – uma lesão extremamente rara com cerca de 30 casos publicados em toda literatura médica. A remoção cirúrgica foi realizada em janeiro de 2015.
Após o procedimento, verificou-se margem cirúrgica comprometida pelo tumor, o que levou à necessidade de uma nova cirurgia. Após o segundo procedimento cirúrgico, o caso foi selecionado para estudo e foi realizada a reconstrução tridimensional do tumor para análise de sua extensão e topografia. Ao avaliar o modelo tridimensional do tumor, observou-se uma região mais abaulada no palato.
“Se a análise tridimensional da estrutura do tumor tivesse sido realizada já no diagnóstico, poderia ter evitado a necessidade de um segundo procedimento cirúrgico, poupando a paciente dos riscos e desconforto inerentes ao procedimento”, explicou a oncologista Carmen Silvia Passos Lima.
A reconstrução tridimensional permitiu também separar a área sólida da área cística do tumor. Segundo os pesquisadores, este é também o primeiro caso de um carcinoma odontogênico de células fantasmas caracterizado por imagens tridimensionais da literatura médica.
“Constatamos que o software permite a avaliação morfológica, topográfica e a extensão de tumores da região da cabeça e pescoço. É ainda possível que ele seja útil no planejamento cirúrgico de remoção completa de tumores. Entretanto, esse aspecto necessita de confirmação. Nosso grupo de pesquisadores já está trabalhando nisso”, adiantou Gomes.