Brasileiros cobram dos candidatos às eleições medidas para enfrentar crise na saúde

No País, a saúde (pública ou privada) é classificada como péssima ou ruim por 55% dos brasileiros e regular para outros 34%. De modo geral, essa avaliação aparece de diferentes maneiras na sociedade e representa a visão de 94% dos que possuem planos de saúde e de 87% dos que dependem apenas do Sistema Único de Saúde (SUS) para receber assistência médico-hospitalar.

Os dados constam de pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha, a pedido do Conselho Federal de Medicina (CFM). O trabalho também teve o objetivo de identi­ficar a expectativa dos brasileiros a respeito da atuação dos próximos governantes e parlamentares em relação à assistência médica. Como parte da investigação, ainda foi medida a opinião dos entrevistados, num aspecto geral, sobre a área da saúde e, de modo particular, a avaliação dos usuários sobre o atendimento no SUS, que neste ano completa 30 anos desde sua implementação.

O relatório será apresentado durante o XIII Encontro Nacional das Entidades Médicas (ENEM), que ocorre nos dias 26 e 27 de junho em Brasília (DF). No encontro, espera-se reunir uma agenda de reivindicações da categoria sobre questões envolvendo a saúde e a medicina, a qual será encaminhada a todos os postulantes às Eleições de 2018, em níveis federal e estadual.

Para fazer frente aos problemas que geram esse tipo de avaliação, os brasileiros dão a fórmula aos candidatos que serão eleitos em 2018. Para a população, os políticos que vencerem o pleito devem adotar medidas que combatam a corrupção na área da saúde (26%); reduzam o tempo de espera por consultas, exames, cirurgias e outros procedimentos (18%); aperfeiçoem a fiscalização dos serviços na rede pública (13%); fomentem a construção de mais postos e hospitais (11%); e garantam a oferta de melhores condições de trabalho e de remuneração para médicos e outros profissionais da área (9%).

“Os números deixam claro: a saúde não pode ser ignorada pelos candidatos, e para atender o anseio legítimo da população por uma assistência de qualidade, é preciso tratar a questão com seriedade. Em vez de anúncios midiáticos, os brasileiros cobram planejamento, mais recursos e uma boa gestão. Essa pesquisa é uma importante contribuição dos médicos para o debate político, com foco sobretudo na quali­ficação do SUS, sistema que a população considera uma grande conquista a ser mantida e aperfeiçoada”, ressaltou o presidente do CFM, Carlos Vital.

A proposta de realização do levantamento foi feita pela Comissão de Comunicação do CFM. “Somos defensores inquestionáveis do SUS. Assim, ao promover esse estudo, esperamos chamar a atenção de todos para a crise que afeta a assistência. Contamos que isso gere reflexões e tomada de decisões, principalmente entre os políticos candidatos em outubro”, ressaltou o 1º secretário do CFM, Hermann von Tiesenhausen, coordenador do grupo.

Para ele, a recuperação do sistema público, garantindo dignidade aos pacientes e aos médicos e outros pro­fissionais que atuam nos postos e hospitais, “deve constar das plataformas de campanha e ser cumprido por aqueles que tomarem posse”.

A pesquisa CFM/Datafolha teve abrangência nacional e ouviu 2.087 pessoas – 59% delas residentes no interior. A amostra composta por homens e mulheres, com idade superior a 16 anos ou mais, respondeu a um questionário estruturado.

SUS é prioridade – A valorização do SUS, como política social relevante, aparece com ênfase na pesquisa. Os números mostram que, para 88% dos entrevistados, o Sistema deve ser mantido no País como modelo de assistência de acesso universal, integral e gratuito para os brasileiros, conforme previsto em seus princípios e diretrizes legais.

Na visão de Hermann von Tiesenhausen, esse alto percentual indica que propostas como a de criação dos chamados “planos populares”, não foram bem aceitas. “Todos sabem que essa medida só beneficiará os empresários, não reduzirá a pressão por atendimento e nem aliviará as contas da saúde. Por outro lado, iludirá o cidadão, que não conseguirá, por meio de um contrato desse tipo, o atendimento integral que precisará”, complementou.

Falta gestão e recursos – Esse reconhecimento da importância do SUS, no entanto, não impede que a população aponte falhas na sua condução e “que podem ser superadas com vontade política e planejamento”, aponta o secretário. Entre as dificuldades elencadas, 83% acreditam que os recursos públicos não são bem administrados, 73% que o atendimento não é igual para todos, e 62% que o SUS não tem gestores eficientes e bem preparados.

O trabalho sugere ainda que essa percepção de incompetência administrativa decorre, em grande parte, de questões sentidas no cotidiano das unidades de saúde, em todos os níveis de complexidade. Em primeiro lugar, a partir de suas próprias experiências, a grande maioria dos usuários da rede pública relata ser difícil ou muito difícil ter acesso ao atendimento na rede pública. Dentre 14 serviços disponíveis em postos e hospitais, que foram analisados, 11 foram alvo de críticas.

Estudo revela serviços com dificuldade de acesso no SUS

A pesquisa CFM/Datafolha revelou os itens que, no entendimento dos brasileiros, apresentam maior di­ficuldade de acesso no âmbito do SUS. O grupo considerado mais problemático inclui consultas com médicos especialistas (74%), cirurgias (68%), internação em leitos de UTI (64%), exames de imagem (63%), atendimento com profissionais não médicos, como psicólogos, nutricionistas e fisioterapeutas (59%) e procedimentos específicos (diálises, quimioterapia, radioterapia, etc.), com 58%.

Por sua vez, os serviços que alcançaram avaliação mais baixa (péssimo ou ruim) foram: internação em leito de UTI (29%); atendimento em pronto-socorro ou UPA (23%); consultas com médicos especialistas (23%); atendimento em posto de saúde (22%); internações em leitos comuns (21%); realização de cirurgias (19%); e consultas com médicos em posto de saúde (18%). O serviço mais bem avaliado foi o de oferta de vacinas.

Principais gargalos – A análise dos dados sugere, ainda, que, de forma geral, a percepção de mau atendimento decorre de problemas registrado ao longo do processo, como o tempo de espera para ter uma resposta do SUS para uma demanda encaminhada. Essa é a visão de 24% dos entrevistados, que na pesquisa apontaram a principal razão para o mal atendimento.

Também são vistos como vilões nesse processo a falta de recursos financeiros para o SUS (15%) e a má gestão administrativa e operacional do Sistema (12%). Questões como a falta de médicos (10%) e a dificuldade para marcar ou agendar consultas, cirurgias e procedimentos (10%) completam o topo desse ranking.

Porém, a pesquisa dá ainda outras pistas sobre o peso que o tempo de espera para o atendimento tem na vida do paciente e de seus familiares, dando maior lastro às críticas direcionadas ao SUS quando se fala sobre acesso a uma consulta, cirurgia ou exame. Na semana de realização das entrevistas (de 9 a 16 de maio), 39% declararam estar aguardando por algum tipo de atendimento na rede pública, índice nove pontos percentuais maior do que o registrado em pesquisa semelhante, realizada pelo CFM em 2014.

Dobram queixas por tempo de espera

O tempo de espera é o fator com avaliação mais negativa do Sistema Único de Saúde (SUS). Ele acumula os piores resultados dentre os vários aspectos relacionados ao atendimento. Trata-se do maior gargalo da rede pública para 61% dos entrevistados que buscam uma cirurgia, 56% dos que precisam de um exame de imagem e para 55% dos que aguardam uma consulta.

No período de realização da pesquisa, do total de entrevistados 34% aguardavam fazer uma cirurgia, 32% buscavam uma consulta médica e 31%, exames. Porém, chama a atenção que o SUS está levando mais tempo para responder às solicitações. Em 2014, uma pesquisa do mesmo tipo identi­ficou que 29% dos que haviam pedido exame, cirurgia ou consulta ainda aguardavam um desfecho após seis meses. Em 2018, esse percentual passa a ser de 45%, quase duas vezes maior.

O mesmo fenômeno ocorre com o percentual dos que aguardam há mais de 12 meses. Em 2014, esse índice era igual a 16% dos entrevistados que haviam feitos pedidos especí­ficos. Quatro anos mais tarde, a espera atingia 29% dos que estavam nessa categoria, ou seja, praticamente duas vezes mais.

“Infelizmente, os dados apenas contabilizam os problemas que a população enfrenta na sua rotina. É um quadro grave que ocupa manchetes dos jornais e tem motivado uma série de denúncias. Esperamos que os próximos governantes e parlamentares estejam atentos ao trabalho que deve ser feito para recolocar a saúde brasileira na rota da qualidade, efetividade e segurança”, concluiu o presidente do CFM.

Quase 1 milhão na fila – A percepção registrada pelo Datafolha converge com as conclusões de estudo recente do CFM sobre a demora para dar vazão à lista de espera por cirurgias eletivas. No trabalho, divulgado em dezembro de 2017, constatou-se que esse é um drama para milhares de pacientes que dependem do SUS.

Na época, a fila de espera para cirurgias eletivas chegou a aproximadamente 904 mil procedimentos. Foi o resultado da soma das informações repassadas por Secretarias de Saúde de 16 estados e 10 capitais, onde, respectivamente, constam pedidos de 801 mil e 103 mil procedimentos cirúrgicos.

Segundo as informações analisadas pelo CFM, quase metade de todos os procedimentos pendentes no País estão concentrados em apenas cinco tipos diferentes: catarata (113.185), correção de hérnia (95.752), retirada da vesícula (90.275), varizes (77.854) e de amígdalas ou adenoide (37.776).

Do total, pelo menos 746 pedidos de cirurgias eletivas constavam pendentes na lista de regulação dos estados e capitais há mais de 10 anos. O número foi extraído apenas das filas dos estados e capitais que atenderam ao pedido de acesso à informação analisados pelo CFM, mas já revelam uma sistêmica fragilidade na gestão do SUS, que aflige pacientes e famílias em todo o País.

“O mais grave é que, em determinadas cirurgias, a espera complica o quadro do paciente. Se elas esperarem muito tempo, podem ter sua saúde comprometida. Não são raras as cirurgias eletivas que evoluem para uma cirurgia de emergência, que poderiam ser evitadas e cujas consequências podem ser trágicas”, explica Hermann von Tiesenhausen.

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