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Porque o candidato perfeito é sua velha tia ou sua avó nas eleições municipais? – Opinião

João Darzone – advogado
Novembro de 2020

“Os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos”.
Nelson Rodrigues

Quando comecei a ler a obra de Nelson Rodrigues, na faculdade de direito, não tinha a exata compreensão da profundidade desta frase. Na maioria das vezes Nelson me chocava, por sua arguta rebeldia.

A rebeldia ao longo da história da humanidade, era baseada no argumento contrário ao utilizado pelo establishment e se manifestava às margens dos grandes centros, induzindo de forma capilarizada movimentos culturais, música, literatura, teatro e a ciência. Moldaram-se gerações pela ruptura com o modelo anterior que muitas vezes teria que cair pela inadequação de sua época ou pela simples lógica da razão atingida por um senso comum.

O que movia a rebeldia era a força da visão de um mundo melhor (em tese) se seus argumentos fossem vencedores e se não o fossem, rompia-se com o “sistema” vigente pela força, por meios fora da lei ou fora dos costumes sociais habituais do seu tempo. A rebeldia às vezes vencia ou era vencida. Por essa razão o rebelde é sempre contra o “sistema” e sua luta (pela sua percepção) é contra um inimigo muito maior que “ele” (rebelde).

A rebeldia por vezes manifestava-se no corpo (tatuagens, cortes de cabelo, alterações estéticas) jeito de vestir, pensar, na aparência, hábitos sociais, e até mesmo na relação violenta contra seus pares na tentativa de diferenciar-se do “comum” para impor a ideia de que era diferente e pela própria insatisfação do estado das coisas. Outras vezes, a manifestação da rebeldia era pelo puro pensamento, pela argumentação, pela razão que nem sempre era compreendida e recebia alcunha de loucura ou arrogância.

O rebelde era inteligente, pois compreendia as “anomalias” do seu tempo e tentava a seu modo modificar um estado de coisas que tendia a não ser percebido (a opressão, a violência, a injustiça, a falta de lógica, a apropriação indevida, o sofrimento, a exploração, a estupidez) aos olhos da maioria.

Leonardo Da Vinci, Joana D´Arc, Enéas Carneiro, Giordano Bruno, El Cid, Madre Tereza, Gaudí, Darwin, Trotkski, Bill Gates, João Augusto Conrado Gurgel, Von Mises, Karl Marx, Cora Coralina, Oscar Niemayer, Raul Seixas, Margareth Tatcher, Zorro, Rui Barbosa, Che Guevara, Bakunin, Assis Chateaubriand, Henry Ford, Elis Regina, Sigmund Freud, Madame Curie, Batman, são exemplos de ícones (reais e fictícios) de inteligência, mas ao mesmo tempo de rebeldia, pois em dado momento de suas existências romperam os padrões vigentes de linhas de pensamento social, econômico ou cientifico e criaram algo novo, um novo padrão que atingiu o senso comum e de certa forma alterou a realidade. Ou simplesmente, foram taxadas de loucos e arrogantes por não serem compreendidos no tempo em que viveram. Aqueles eram os rebeldes, os rebelde-raiz.

A estratégia possível do rebelde era o uso da inteligência misturado com a ousadia. Ousadia de desafiar o poder (sendo que poder também pode ser considerado um estado de coisas não discutidas), e inteligência para superar os argumentos contrários que ao longo dos tempos se tornaram dogmas.

Os rebeldes sabiam pelo lutavam, entediam que as provocações a realidade vigente eram necessárias para ponderação coletiva da mudança dos paradigmas.

O ser rebelde, por natureza é um provocador inteligente, pois consegue extrair do oponente sua incongruência através de argumentos reais, que por sua vez tornam a realidade inaceitável pela ótica do homem comum quando a força de sua visão do mundo se impõe.

Ser rebelde por definição é saber por que se luta, e a causa da luta é mais importante que sua própria vida, valendo a pena (na sua ótica) colocá-la em risco.

As razões rebeldes por não serem compatíveis pelo padrão (social, econômico, científico) de seu tempo, sacudiam a sociedade pelo “eco” e a força de suas provocações pelo argumento lógico combinado com o sentimental acabavam por modificar as percepções do homem comum e por consequência culminavam por alterar a realidade, pois depois do choque há geralmente o “pensar” do homem médio sobre as motivações do ser rebelde;

Um destes processos socioculturais rebeldes foi a consolidação dos direitos trabalhistas, que humanizaram os processos econômicos e hoje as condições de trabalho, por mais que não estejam perfeitas, melhoraram bastante se comparadas com décadas atrás. Este progresso foi resultado da rebeldia daquele tempo.

A rebeldia tinha significado e conferia ao indivíduo autenticidade e sofisticação ao mesmo tempo em que era indomável dando sex appeal irresistível ao ser rebelde, o que por consequência conquistava as massas, sempre obedientes aos dogmas de seu tempo e incapazes de perceber o óbvio sem o “tapa na cara” que lhe dava o rebelde.

Logo, pode-se concluir que a rebeldia é causa direta de muitos progressos e retrocessos da humanidade.

O poder político (esquerda e direita) compreendeu a “mecânica” dessas rebeldias e com muita maestria apreendeu a manipular os “rebeldes”. Os políticos espertalhões, vestiram manto da rebeldia (travestida de populismo) com intuito de se promoverem e alçar o poder e principalmente criaram exércitos de apoiadores justamente pelo sex appeal do ser rebelde.

Antonio Gramsci um dos grandes expoentes da esquerda moderna também compreendeu esta “mecânica” e aperfeiçoou a técnica de manipulação de massas, e criou a expressão idiota útil, que no século XXI pode-se chamar de rebelde moderno.

E, assim, no início dos anos 70 (século XX) a “rebeldia” se perdeu e como qualquer vírus da natureza, transformou-se em algo diverso do seu significado original justamente pela carga histórico-emocional do ser rebelde, e pela sua indubitável capacidade de seduzir massas a suas causas.

Ser rebelde ou pertencer a um grupo rebelde tornou-se status e isto tornou o rebelde um ser sexy. Tornando-se sexy, o ser rebelde para as grandes massas no século XX, tornou-se fútil.

E a futilidade dos rebeldes modernos/idiotas úteis está por contaminar a luta das mulheres na conquista do seu merecido espaço, a ascensão do poder político das minorias, e as causas ambientais do século XX que, são hoje, a força motriz da cultura e da política no século XXI.

Muitos perceberam que em determinadas situações ser rebelde era uma vantagem lucrativa. Ser rebelde impõe respeito, é sexy, e ao mesmo tempo dá ao indivíduo a ideia de que “está do lado certo” não precisando pensar muito das razões da rebeldia sobre o que quer que seja.

Basta ver que muitas estrelas pop que julgam representar as mulheres nada mais se utilizam das justas causas feministas para se autopromover e enriquecer pelo culto que os rebeldes modernos/idiotas úteis fazem com a sua imagem. O mesmo pelos falsos ambientalistas, que mais enriquecem, pelas milhões de visualizações do que criam ações efetivas.

O mesmo vale para personalidades artísticas e políticas que dizem defender as minorias, mas a única defesa inconteste é da sua carreira política e geração de seu patrimônio, basta ver o estilo de vida destes ativistas das minorias.

Mas o pior não é enriquecer à custa das lutas, mas gerar um retrocesso ainda maior nas relações humanas no trato destas delicadas questões dividindo mais do que somando esforços para resolver os grandes problemas da humanidade.

A adesão a causa rebelde sem compreender as exatas motivações não cria um rebelde, e sim um mero idiota. Um idiota útil que repete o que escuta sem prestar atenção nas motivações da rebelião, ou simplesmente porque sua inteligência é diminuta.

E aqui entra a frase de Nelson Rodrigues, bastando substituir o termo idiota pelo rebelde moderno, ou melhor, troque rebelde moderno por idiota no século XXI.

Antonio Gramsci de forma brilhante compreendeu que a melhor forma de vencer o inimigo (establishment) não seria pela guerra de armas e soldados.A guerra a ser vencida era reprogramar a motivação dos homens e mulheres a lutar, e para isso seria necessário alterar a noção de realidade são incutidas pela cultura (laços familiares, crença, valores, noção de posse e propriedade).

O socialismo/comunismo/fascismo jamais seria vencedor em guerra armada direta e sim se “penetrasse na mente” dos homens e mulheres através da chamada revolução cultural tornando-os idiotas úteis que por não compreenderem as dinâmicas políticas em jogo tornam-se mera massa de manobra descartável.

No Brasil o exemplo mais claro desta descartabilidade de massas, são os movimentos sindicais, que nada mais são do que meros trampolins para políticos populistas que tão logo alçam o poder pelo voto dos idiotas uteis, simplesmente mudam sua agenda e na maioria das vezes como no caso do PT alinham-se com o poder econômico, como se viu na operação lava-jato.

Outro caso típico de descartabilidade de massas são os muitos programas sociais governamentais (bolsa-família) não pelo fato da inclusão de indivíduos, mas pelo fato de não criar uma “porta de saída” a estes indivíduos para que possam prosperar como seres humanos pensantes, condenando-os ao mesmo ciclo de miséria pela dependência de esmolas governamentais.

Como a cultura no século XXI foi substituída consumo instantâneo de mídia sem a devida ponderação, as convicções humanas, antes reflexo de experiência de vida e conhecimento acumulado das gerações anteriores foi substituída por frases de efeito “com mantras” cuja adesão social se dá por influência da mídia do politicamente correto. E o mantra mais poderoso chama-se: justiça social.

E ficou fácil criar idiotas úteis/rebeldes modernos, pois a facilidade da internet criou ativistas de condomínio e os revolucionários de boteco, que discutem agricultura, economia, sociologia, direito e engenharia sem sequer ter plantado algo que não fossem feijões em algodão, lido um livro, recolhido uma DARF, e falam de despesa pública sem sequer perceber que se trata de matemática que é uma linguagem pouco compreendida por eles.

Esse paradoxo do mundo moderno em que a disponibilização infinita da informação na palma da mão ao invés de criar ‘iluminados’, multiplicou preguiçosos que sequer compreendem o complexo mundo em que vivem, que apenas regurgitam o eco de sua distorcida visão de mundo criada pelo establishment que acreditam combater.

Basta o idiota útil ouvir qualquer frase que tenha início, meio, ou fim com a expressão “justiça social” cantarolada por qualquer estrela pop ou político populista, que qualquer atitude (legal ou ilegal) fins acaba por justificar as ações do dito ativista social mesmo que isso signifique destruir irracionalmente bens materiais de terceiros (nunca o seu patrimônio), ofender, ferir ou até mesmo matar.

Dito, isto, agora pondere sobre o que se vê nas eleições municipais. Agora o que os conceitos idiota útil e rebelde raiz estão bem delineados avalie seu candidato a prefeito, observe e avalie o primeiro, o segundo e o terceiro lugar e responda para si. Quem é quem?

Um idiota útil/rebelde moderno interesseiro apenas utiliza as massas para seu próprio projeto de poder e enriquecer às custas da repetição do mantra “justiça social que irá logo após as eleições descartar o eleitor, ou se é um autêntico rebelde raiz.

E no caso do vereador repita o mesmo processo mental.

Não se surpreenda, pois, talvez você tenha que peneirar muito para achar um verdadeiro rebelde raiz, que nestes tempos modernos o perfil está muito parecido com sua velha tia ou avó que vai a igreja todo o domingo, e que sem dúvida fariam um trabalho muito melhor que idiotas úteis que estão no poder ou almejam entrar na vida pública. Na dúvida vote em que pensa igual a elas, pois, a chance de errar é menor.

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