Advocacia: ofensa as prerrogativas e destino da classe – Opinião
Ana Lucia Santos da Motta
Advogada, OAB/RS 60.338
Você lembra do tempo em que advogar era motivo de orgulho? Parece que faz tanto tempo, não é mesmo?
O mês de junho iniciou com um episódio lamentável, a notícia de que a credencial de um advogado teria sido quebrada por policiais militares na Cadeia Pública de Porto Alegre, fato estarrecedor e inexplicável em qualquer Estado que se reconheça como democrático de direito e, se acaso isso fosse uma novidade.
A imprensa se mostrou chocada e a classe estarrecida, a instituição através da Comissão de Defesa e Assistência as Prerrogativas, concedeu Desagravo Público liminarmente ao advogado aviltado em seu mister Constitucional, o Presidente Ricardo Ferreira Breier cumpriu o Desagravo de forma virtual, sim virtual porque a onda do momento é a virtualidade, caminho “sem volta” mas que de certa forma já sinaliza o quanto a classe, a lei e o Estado de direito vem perdendo o valor.
Sim, estamos em um naufrágio coletivo, pois as instituições perderam o norte de seu papel no Estado Democrático de Direito, tendo como base a Constituição Federal de 1988 que estabelece as competências e funções.
O momento é de uma instabilidade e incerteza sem precedentes basta ver que o poder judiciário por meio de resoluções do CNJ atrai para si competência que não é sua e legisla matéria de competência da União que só pode ser mudada por Lei Ordinária, impondo procedimentos processuais de forma virtual e, com isso violando os princípios do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa.
Tais atos além de violar as prerrogativas dos advogados, violam os direitos dos cidadãos e o princípio da legalidade, eis que ninguém poderá ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo sem prévia cominação legal. O Conselho Nacional de Justiça se excede na sua competência constitucional, atraindo para si competência do poder legislativo, resoluções podem e devem ser expedidas pelo CNJ, mas não pode criar direitos e deveres que violem direitos e garantias individuais, através de ato normativo visando disciplinar procedimento de audiências virtuais na circunstância do trabalho remoto do Poder Judiciário, pois não encontra respaldo na legislação primária evidenciando a inconstitucionalidade.
Vivemos tempos de violações diárias e silenciosas às prerrogativas da Advocacia, sob o silêncio da maioria da classe, que vem sendo paulatinamente massacrada por representar a guardiã e defesa da cidadania, as instituições públicas presumem a má fé do advogado, a boa fé ao contrário do que dispõe a Lei temos que comprovar, somos menosprezados e vilipendiados e, só vemos algum movimento da classe quando a credencial é quebrada de forma literal, ou quando o advogado é morto ou espancado, pois fora esses episódios pontuais nos parece que virou rotina questionar a legitimidade do advogado ou até mesmo a negar validade da Lei 8906/94 em detrimento de portarias administrativas, do desejo subjetivo de qualquer autoridade pública e ou funcionário público.
Nas delegacias de polícia civil do estado exigem que o advogado faça requerimento para ter acesso a procedimentos investigativos, negando vigência a ao art. 7, inciso XIV da Lei 8.906/94, bem como a sumula vinculante n° 14 do STF e o art. 32 da Lei 13.869/2019, em latente abuso de autoridade e menosprezo à dignidade do advogado.
Na mesma esteira diariamente os advogados tem sua credencial quebrada, frente ao mau atendimento recebido nos órgãos públicos, exigência de requerimentos não previstos em lei para acesso a inquéritos policiais e ou administrativos, implorar para ter acesso aos cartórios no fórum central e nas varas do interior, negativas de realização de audiência presenciais e até mesmo virtuais, falta de respostas ou demora no retorno dos e-mails, indeferimento de medidas liminares, negativa de diálogo com magistrados mesmo na forma virtual e as vezes negativa de acesso até mesmo aos assessores ou estagiários.
Contudo, o que se constata do episódio é lamentável, o forçoso reconhecimento de que a advocacia gaúcha que conta com mais de 120 mil inscritos, é aviltada diariamente com violação de suas prerrogativas por atos omissivos ou comissivos, e suas credenciais quebradas, ainda que simbolicamente todos os dias em todas as esferas dos poderes executivo, legislativo e judiciário.
Mas a pergunta que não quer calar: onde estão os mais de 100 mil advogados inscritos no Rio Grande do Sul? Por que nossa classe está tão acovardada? Por que a advocacia não mostra a força e sua essencialidade conforme preconiza o art. 133 da Constituição Federal?
A subserviência da advocacia como classe reflete os atos discriminatórios, vis e covardes a que são submetidos os advogados individualmente em todos os recantos do Estado do Rio Grande do Sul, precisamos parar e reagir somos muitos não podemos ficar ao arbítrio e desejos individuais dos servidores públicos, sejam eles do poder executivo, legislativo ou judiciário.
O destino da advocacia esta sendo traçado e desenhado pela própria inércia da classe, que se ocupa com questões periféricas fomentando a segregação da classe em castas, por gênero, etnia e raça, enquanto nos dizimam como profissionais na coletividade.