Bento Gonçalves: Museu do Imigrante divulga última pesquisa
Levantamento é sobre o projeto "Laços Patrimoniais - Construindo um inventário colaborativo para Bento Gonçalves"
Finalizando as divulgações das pesquisas do projeto “Laços Patrimoniais – Construindo um inventário colaborativo para Bento Gonçalves”, o Museu do Imigrante lança sobre o último Eixo abordado para o auxílio no diálogo entre história e arquitetura. Desta forma, amplia o conhecimento sobre o patrimônio material do município em relação ao inventário produzido em 1994, que foi mais focado na imigração italiana.
O primeiro eixo tratou sobre o Bairro Centro, tendo como referenciais o Conjunto da Igreja Metodista, Bairro Cidade Alta, Bairro São Roque: Complexo do Batalhão e Conjunto Igreja São Roque; Eixo 2 São Valentim e Addolorata,; Eixo 3: Passo das Antas: Veríssimo de Mattos, Km2 e Passo Velho; Eixo 4 – 4ª Seção do Rio das Antas: São Luiz e Jaboticaba; Eixo 5: Distrito de Faria Lemos; Eixo 6: Morro da Eulália – Linha Eulália Alta e Baixa; Eixo 7: Vale dos Vinhedos – Linha Graciema.
Agora, o Eixo 8 tem como objeto de estudo o Distrito de São Pedro, com ênfase nas Comunidades de São Miguel e Santo Antônio. O projeto ainda prevê a publicação de um livro e uma mostra fotográfica.
Eixo 8 – Distrito de São Pedro – Comunidades São Miguel e Santo Antônio
O Distrito de São Pedro é formado por parte da Linha Palmeiro, que foi a mais densa e talvez mais extensa da Colônia Dona Isabel, com 200 lotes. Foi a única Linha em que todos os lotes possuíam 48,4 hectares, medindo 2200 metros de fundo, onde os lotes eram separados em números pares e ímpares (CAPRARA e LUCHESE, 2001). Os lotes pares iniciam no bairro Cruzeiro e os ímpares na atual comunidade São Miguel, seguindo até o Barracão, Licorsul e Vila Nova, pares na atual Comunidade Santo Antoninho e a partir do lote 51 segue a estrada de São Pedro em lotes intercalados (pares a Sul e ímpares a Norte), passando por Caravaggio e seguindo até a divisa com a Colônia Caxias (ZAT e ZUCCO, 2017).
Analisando a divisão dos lotes coloniais, é possível identificar a formação das estradas que se desenvolveram ao longo da linha, cujo traçado se aproxima aos das picadas que foram abertas para a medição dos lotes. Atualmente, a rodovia VRS 855 – que corta o Distrito de São Pedro e liga os municípios de Farroupilha e Bento Gonçalves a Pinto Bandeira – e a RSC 444, que parte da linha Sertorina, em Farroupilha, passando pelo Barracão, ligando ao bairro Eucaliptos – correspondem às principais picadas de abertura da linha. Além disso, identificam-se as estradas interdistritais do município, passando por São Miguel, Busa e Barracão, que também correspondem às divisas entre as interseções dos lotes.
A Estrada Júlio de Castilhos – também denominada Silveira Martins– foi uma das mais importantes estradas coloniais, ligando Bento Gonçalves a Caxias do Sul, além de, durante o processo de abertura das picadas, servir de ligação com Nova Milano e dali ao Vale do Caí, sendo outro importante itinerário para chegada dos imigrantes (CESAR, 2016). Com a emancipação do município de Farroupilha, em 1934, a Linha Palmeiro foi dividida ao meio, ficando a divisa Leste do município demarcada no lote 100 da mesma (ZAT e ZUCCO, 2017). Já a Norte, os lotes foram divididos ao meio, quando da emancipação do município de Pinto Bandeira.
Em análise aos quadros dos proprietários provisórios e definitivos dos lotes (CAPRARA e LUCHESE, 2001), identifica-se que o território começou a ser ocupado a partir de 1876 onde hoje é a Comunidade São Miguel, avançando em direção aos locais das atuais comunidades Santo Antoninho, São Pedro e Santo Antônio, à medida que avançava a medição dos lotes, até 1882. Os registros de pagamento dos lotes com os proprietários definitivos constam a partir de 1893, a partir de quando a ocupação do atual distrito pode ser considerada consolidada. Verificando os nomes dos proprietários definitivos, é possível identificar várias famílias que ainda se encontram nessas comunidades.
Em uma colônia recém iniciada houve registros de que os primeiros imigrantes sobreviveram “com o consumo de pinhões, frutas silvestres, da caça de alguns animais e das poucas rações distribuídas pelo Governo” (CAPRARA e LUCHESE, 2001, p. 34), recorrendo às autoridades em busca de subsídio, quando a situação tornou-se insustentável. Em função da necessidade, a policultura foi a primeira atividade realizada, surgindo já nas primeiras décadas a vocação que existe atualmente, do cultivo de árvores frutíferas. Ao mesmo tempo, nas entressafras, trabalhavam nas estradas. Após, iniciaram a criação de animais para o consumo, produção de derivados e para o transporte e arado e, com o tempo, a atividade vitivinícola, que se tornou a maior fonte de lucros (CAPRARA e LUCHESE, 2001).
Comparando-se a distribuição hidrográfica ao longo da linha, suas estradas e lotes coloniais, é possível compreender um dos critérios de demarcação e um dos fatores para o sucesso econômico da Linha Palmeiro nas suas primeiras décadas. Em detrimento da própria topografia, o traçado priorizava a melhor distribuição dos cursos d’água ao maior número de propriedades, podendo mesmo ocorrer a devolução e troca do lote caso faltasse água ao colono. Assim, o abastecimento de água era considerado fator prioritário para escolha do lote, uma vez que era critério para a localização das residências, possibilitando desde o consumo até a lavagem de roupas e geração de energia (POSENATO, 1983).
As atividades comerciais e artesanais se desenvolveram a partir da abertura da estrada que ligava à Caxias – e ao mesmo tempo, costeando os arroios – diversificando as atividades profissionais. Entre os principais negócios que se desenvolveram na Linha Palmeiro, foram os relacionados às rodas hidráulicas. Para Posenato (1983) a roda hidráulica pode ser considerada símbolo da imigração italiana, pois “proveu energia motriz para as mais variadas finalidades: moinhos de trigo e milho, serrarias, ferrarias (malhos, ventiladores), marcenarias, descascadores de arroz, fábricas de farinha de mandioca, e até mesmo, no fim do período tardio, geradores elétricos de baixa rotação” (POSENATO, 1983, p. 388 e 389).
As rodas eram implantadas à jusante das quedas d’água, sendo que do diâmetro da roda e do volume d’água dependia a força motriz obtida. Nos locais de maior queda, era possível construir rodas maiores para obtenção de maior energia, mas como na maioria dos locais havia pouca queda e maior vazão, eram construídas várias rodas, uma para cada atividade. Os estabelecimentos geralmente se dedicavam a mais de uma atividade, atendendo às demandas locais, que não representavam grande volume (POSENATO, 1983).
Nos lotes 18, 20, 51, 56, 59 identificam-se alambiques, moinhos e ferrarias das famílias como Merlin, Bertarello, Ferri e Ferretti, que existem até hoje. Essa localidade, onde se situam o Moinho Bertarello, a Ferraria e Serraria dos Ferri, possui caráter paisagístico excepcional, pelo encontro dos arroios que geram o Rio Buratti, com a preservação completa de um conjunto “industrial doméstico”. Dentro do conceito de patrimônio industrial, o lugar inclui as indústrias, comércios e residências, maquinário, saberes e fazeres das rodas hidráulicas e de sua produção artesanal, além das ruínas da primeira ponte e do caráter de preservação ambiental permitido pelos empreendimentos, que possibilitam o passeio junto às águas, partindo da concepção museográfica iniciada com o roteiro Caminhos de Pedra.
As edificações industriais do Moinho Bertarello e Ferraria Ferri integram o inventário realizado nos anos noventa, porém é necessária a atualização da visão desse conjunto dentro dos conceitos de patrimônio industrial e ambiental, dialogando com a concepção do Plano Diretor Municipal, que identifica a área como APPAC – Área de Proteção à Paisagem Cultural. Para isso, recomenda-se a inclusão no inventário, das edificações residenciais das famílias Ferri e Bertarello, suas edificações complementares como paióis e forno, levantamento arquitetônico das suas rodas hidráulicas e equipamentos e as características de ocupação e preservação junto aos arroios, por meio de um plano de gestão compartilhada.
Além disso, destaca-se a existência de acervo material, como ferramentas, maquinários e produtos das respectivas atividades, bem como a existência de saberes e fazeres relacionados à produção e consumo da farinha (milho e trigo) e à produção artesanal em ferro e madeira. A esse conjunto recomenda-se a proteção através do tombamento de conjunto, de forma a garantir a permanência dessas edificações e atividades junto ao seu meio ambiente sensível, bem como o registro do patrimônio imaterial das suas produções, para que possibilite a continuidade dessas atividades, preservando sua autenticidade.
A presença da água, da roda e da estrada também são fatores preponderantes na Comunidade Santo Antônio, onde o antigo Moinho Cecconello, datado de 1884, foi adaptado para Casa da Erva Mate Ferrari, em 2003. Essa edificação pode ser considerada símbolo da absorção da cultura indígena pelos imigrantes, através da produção artesanal de erva-mate Barbacuá, bem como da adaptação das rodas d’água do moinho para uma atividade turística. Em seu interior, é disponibilizada mediação, com demonstração do funcionamento do maquinário original que era utilizado para moagem da farinha e do processo de fabricação da erva-mate, com maquinário adaptado ao novo uso.
Outras rodas d’água compõem a localidade, distribuídas ao longo da estrada, como a ferraria de João Sachet, o moinho entre as casas Benvenutti e Girelli, bem como o conjunto de alambiques, ferraria e resquícios de uma usina que gerava energia elétrica no lote 92, operados pelas famílias Grando, De Cesaro e Brustolin. Entre essas, atualmente apenas o capitel da família Ferrari, a Casa Sachet e Brustolin (identificada por irmãos Bianchi) encontram-se no inventário. Tendo em vista a importância dos conjuntos que as mesmas abrangem, é indicada a inclusão na atualização do inventário, do conjunto da Capela Santo Antônio, identificado como APPAC rural, tendo como centralidade a capela e a escola.
Entre as edificações da comunidade, indica-se o cadastro do Conjunto da família De Cesaro e Bassani (representativo da evolução das construções imigrantistas), da casa da olaria Brustolin, da Casa da Confecção da família Romani (representativa do ofício dos alfaiates), bem como identificação arqueológica das ruínas dos moinhos e usinas junto às propriedades das famílias Benvenutti, Girelli, Brustolin e De Cesaro. Como forma de gestão, seria interessante a potencialização das atividades artesanais e industriais familiares, tendo o patrimônio cultural como forma de valorização do negócio, assim como ocorre no restante do roteiro. Como lugar de referência imaterial, diversos moradores indicaram o Monumento ao Padre Domenico Munari, primeiro capelão da colônia que ali faleceu em virtude de um acidente, nos primeiros anos da imigração.
Além disso, identifica-se a necessidade de inventário da Casa da Erva- Mate e da Brizoleta, edificações centrais no conjunto, que representam valor museográfico, pelo acervo que integram e pela sua representatividade junto à comunidade. Existem apontamentos tanto pela Associação Caminhos de Pedra quanto pelos moradores locais, para implantação de um memorial, na antiga escola, que exponha o acervo comunitário e receba oficinas como canto, dança, artesanato e catequese. Para sua preservação, também pode ser aplicado o instrumento tradicional do tombamento, de forma a garantir a sua conservação frente às interpretações burocráticas, aplicadas em relação aos recuos necessários à rodovia e distâncias do arroio.
Já na Comunidade São Miguel, identificam-se como elementos centralizadores de sua ocupação o Capitel de Nossa Senhora do Carmo, a Capela de São Miguel, o cemitério e a escola David Canabarro, que constituem a referência cultural e comunitária das famílias Osmarin, Colognese, De Paris, Dal Ponte, Santa Rosa e Dall’acqua, entre outras. Esse conjunto contou com a contribuição da acadêmica de Arquitetura e Urbanismo Carina De Césaro, que realizou estágio na Universidade de Caxias do Sul, orientada pela Professora Margit Arnold Fensterseifer. O estudo realizado identificou construções no trecho que segue em direção à divisa com Farroupilha, no entorno da Barragem de São Miguel. Além de construções que não haviam integrado o inventário existente, o relatório apresenta o cadastro arquitetônico com levantamento métrico do conjunto De Paris – onde eram produzidas bebidas comercializadas na Dreher – e da Escola David Canabarro, além de identificar documentos e objetos do acervo da comunidade. Entre os objetos, destacam-se um carrinho de lomba, um trator antigo e louças de um antigo bar da Residência Dalvesco/ Zatti (DE CESARO, 2020).
A maioria das construções já se encontra inventariada, recomendando-se a inclusão da escola e de edificações residenciais identificadas por De Cesaro (2020). Também se torna necessária a atualização da visão patrimonial de conjunto, valorizando os ofícios realizados junto a essas residências, contrapondo a visão de edificações isoladas que existia na época do inventário existente. No conjunto também há uma paisagem cultural rica, formada por parreirais integrados à vegetação ornamental e funcional, além da criação de animais. Como preservação cultural de forma mais abrangente, recomenda-se a reativação do museu comunitário que existia na antiga escola, que ainda guarda acervos dos moradores e pode ser ponto de referência do patrimônio imaterial, retomando as atividades educativas através de oficinas culturais.
Por fim, destaca-se que o Distrito de São Pedro, juntamente com a Linha Palmeiro e o Roteiro Caminhos de Pedra já foram objeto de reconhecimento como patrimônio cultural estadual por meio da Lei 13.177, de 10 de Junho de 2009, bem como de tombamento provisório pelo IPHAE – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado, o qual não teve seguimento em função da necessidade de estudos mais aprofundados, conjuntamente ao poder público municipal e a comunidade local. É recomendável assim, a retomada desse processo, identificando conjuntos a serem reconhecidos pelo tombamento tradicional, mas também identificando as outras formas de proteção que se fazem necessárias para a preservação da paisagem cultural, como registros de patrimônio imaterial e chancela paisagística, os quais possam dialogar com as reais necessidades dos moradores.
A equipe do projeto é formada por Deise Formolo, Cristiane Bertoco, Ivani Pelicer, Angela Maria Marini, Sabrina De Lima Greselle e Margit Arnold.
O projeto “Laços Patrimoniais: construindo um inventário colaborativo para Bento Gonçalves” recebeu recursos de R$ 50 mil da Secretaria de Estado da Cultura, sendo selecionado no âmbito do Edital SEDAC nº 01/2019 “FAC Educação Patrimonial”.
Laços Patrimoniais no Facebook: https://www.facebook.com/La%C3%A7os-Patrimoniais-107751601027534
Email do projeto: lacospatrimoniaisbg@gmail.com
Para mais informações, contate por meio do telefone do Museu do Imigrante: (54) 3771.4230.