O Brasil é um país de belezas naturais, mas que enfrenta o avanço do concreto sobre o verde e os desafios ambientais. Para buscar soluções sustentáveis, a arquiteta e urbanista Vika Martins, do escritório Ohásis, especializado em arquitetura sustentável, sugere a bioconstrução como alternativa. “É usar a sabedoria dos povos originários nas suas moradias e propor soluções reais, que nos permitem construir um mundo melhor”.
A bioconstrução consiste no uso de materiais naturais como bambu, terra, palha, madeira e tintas naturais, e técnicas como superadobe (solo argiloso em sacos de polipropileno), pau a pique (terra crua com madeira, bambu ou cipó) e cob (terreno escavado, misturado com água e moldado a mão), entre outras. Também envolve o conceito de reciclagem e o aproveitamento da água da chuva.
Os benefícios da terra são a economia de energia, a redução dos custos com manutenção, ambientais e de saúde. “Uma construção convencional usa muitos produtos químicos. Tem um custo ambiental alto que devemos considerar. Tem a questão da eficiência energética, de uma casa que vai custar mais para refrigerar e ter conforto ambiental”, ressalta Vika. A bioconstrução também melhora a qualidade de vida e a respiração.
Porém, a bioconstrução ainda é um mercado em crescimento, que precisa ser difundido. A arquiteta e urbanista diz que hoje há poucos profissionais que trabalham com a terra e, por isso, as técnicas são pouco conhecidas. Para mudar esse cenário é preciso compartilhar o conhecimento e formar bioconstrutores, dentro e fora das universidades.
Furando a bolha
Para difundir o conhecimento e popularizar a bioconstrução, o designer Kin Guerra e a arquiteta e urbanista Letícia Grappi criaram em dezembro de 2020 a plataforma colaborativa “Mapa da Terra”, que mapeia obras feitas com materiais naturais. Hoje, tem pelo menos 307 construções cadastradas por usuários do Brasil e de outros países, como Venezuela, Austrália, Itália e Colômbia. Guerra diz que a plataforma quer conectar profissionais e interessados em bioconstrução pelo mundo.
Letícia diz que a prática tem um grande potencial de disseminação. “Estamos em um momento de discutir as formas de viver e impactar menos. Essas discussões ainda estão em bolhas. É preciso expandir. Mas há uma crescente na busca pelo assunto e isso se reflete na construção. Porém, é uma crescente que precisa ser muito maior para mudarmos o paradigma da sociedade”.
A bioconstrução também enfrenta tabus. Políticas públicas associam erroneamente o inseto barbeiro à construção com pau a pique, por exemplo. Em algumas realidades, também há preconceito ou desconfiança sobre a sua durabilidade. A presidente da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), Andréa dos Santos, destaca a importância de apoiar as iniciativas de arquitetos que fazem projetos focados na preservação ambiental e sustentabilidade do planeta, como é o caso do Mapa da Terra, para desconstruir essa narrativa. “Temos muitos tabus para enfrentar. Em uma realidade de precariedade da moradia, de difícil acesso à habitação e de autoconstrução nas cidades, é preciso disseminar práticas como a da arquitetura com terra para construirmos um futuro mais sustentável”.
A solução para expandir o mercado da bioconstrução e envolver mais profissionais pode estar na sala de aula. Nas universidades, diz Letícia, tradicionalmente se estuda e se trabalha pouco com o assunto. Segundo ela, há uma “institucionalização do estigma da construção com terra”. A formação acadêmica acaba sendo exclusivamente com concreto armado. Mas há uma leve movimentação contrária, trazida por professores e estudantes que se interessam pelo tema.
Um exemplo é Filemon Tiago, bioarquiteto e urbanista que idealizou o Projeto Arqviva em seu TCC, em 2022. O projeto atua em Aparecida de Goiânia (GO). “O objetivo é devolver esse saber milenar da bioconstrução para pessoas de baixa renda, sem depender de materiais convencionais”, explica. Por meio de cursos gratuitos, o Arqviva promove a cooperação entre a comunidade e arquitetos, e virou projeto de extensão para alunos de arquitetura e engenharia, introduzindo a eles a Assistência Técnica em Habitação Social (Athis). Atualmente está em construção uma creche que deve abrigar cerca de 70 crianças.
Formar mais profissionais na prática, sejam arquitetos ou bioconstrutores, pode gerar impactos positivos ao meio ambiente e aos modelos de atuação da arquitetura. Andréa também ressalta que “quanto mais práticas e opções dermos à sociedade para construir melhor e mais consciente, mais poderemos atingir diferentes camadas da população”.