Mães de autistas buscam apoio e políticas públicas em Novo Hamburgo
Procuradoria Especial da Mulher promoveu encontro para debater os desafios e as necessidades das famílias que convivem com o transtorno
Um quebra-cabeça de emoções
Receber o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um momento de impacto para qualquer família. O autismo é um distúrbio neurológico que afeta a comunicação, o comportamento e a interação social de cerca de 2% da população mundial, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Não há uma causa única ou uma cura conhecida para o autismo, mas há tratamentos que podem melhorar a qualidade de vida das pessoas com o transtorno e de seus familiares.
No entanto, muitas vezes esses tratamentos são caros, escassos ou inacessíveis, especialmente para as mães que se dedicam integralmente aos cuidados de seus filhos autistas. Essas mulheres enfrentam uma rotina de sobrecarga física, emocional e financeira, além do medo do futuro e da falta de compreensão da sociedade.
Para oferecer um espaço de acolhimento, troca de experiências e discussão de políticas públicas para essas mães, a Procuradoria Especial da Mulher da Câmara de Novo Hamburgo realizou na última terça-feira, 18, o encontro “Quem cuida de quem cuida?”, no Plenarinho do parlamento municipal. O evento contou com a participação das painelistas Isa Reichert, arteterapeuta e mãe adotiva de Indiara, de 10 anos, diagnosticada com autismo; Jaque Raffler, advogada e mãe de João, de 3 anos, autista não verbal e com outras complicações de saúde; e Natália Magalhães, musicoterapeuta e presidente da Associação de Musicoterapia do RS (AMT-RS).
As palestrantes compartilharam suas histórias de vida, seus desafios e suas conquistas com o público presente, formado em sua maioria por mulheres que também vivenciam o cotidiano do autismo. Elas relataram as dificuldades para obter o diagnóstico correto, o acesso aos tratamentos adequados e a inclusão social e escolar de seus filhos. Elas também destacaram a importância do autocuidado, da rede de apoio e da informação para lidar com o transtorno.
Uma luz no fim do túnel
O encontro foi elogiado pelas participantes, que se sentiram acolhidas e representadas pelas painelistas. A vereadora Lourdes Valim, titular da Procuradoria da Mulher, afirmou que a iniciativa foi um sucesso e que pretende promover mais eventos desse tipo no futuro. “As participantes que assistiram à atividade disseram que se encontraram através dos depoimentos e das falas das palestrantes. Tive a certeza de que nós devemos promover mais esse tipo de evento, de apoio às mães que têm filho com autismo. As pessoas que aqui vieram saíram radiantes, e elas nos cobraram o retorno do próximo evento. Não vamos parar por aqui”, disse.
Uma boa notícia que animou as mães presentes foi a confirmação de que Novo Hamburgo está entre as três cidades da região que receberão recursos para a implantação de um Centro de Atendimento em Saúde (CAS) do Programa TEAcolhe, do governo estadual. O programa visa ampliar e qualificar a rede de atenção às pessoas com autismo no Rio Grande do Sul, oferecendo serviços especializados como avaliação diagnóstica, acompanhamento multiprofissional e orientação familiar.
O CAS de Novo Hamburgo funcionará junto ao Centro Especializado em Reabilitação (CER IV), no bairro Rondônia. Os atendimentos serão encaminhados via unidades básicas de saúde (UBSs) e terão como meta mínima 1,2 mil consultas mensais. A expectativa é de que o centro entre em funcionamento ainda neste ano.
Um desafio diário
Para as mães de autistas, cuidar dos filhos é uma missão que exige dedicação, amor e persistência. Elas precisam lidar com as limitações, as frustrações e as incertezas que o transtorno traz, além de buscar os melhores tratamentos e profissionais para ajudar no desenvolvimento de seus filhos. Mas nem sempre esses tratamentos são acessíveis, eficazes ou respeitosos com as características individuais de cada pessoa com autismo.
O autismo é um espectro, ou seja, há uma grande diversidade de sintomas, graus e manifestações entre as pessoas que têm o transtorno. Algumas podem ter dificuldades para falar, outras podem ter sensibilidade a sons, luzes ou toques, outras podem ter interesses restritos ou comportamentos repetitivos. Por isso, não há um tratamento único ou padronizado para o autismo, mas sim uma abordagem multidisciplinar que envolve diferentes áreas da saúde, da educação e da assistência social.
Entre as terapias que podem beneficiar as pessoas com autismo está a musicoterapia, que utiliza a música como ferramenta para estimular a comunicação, a expressão e a interação social. A musicoterapia é uma profissão regulamentada no Brasil desde 2017 e requer formação em curso superior específico. No entanto, muitos planos de saúde não cobrem esse tipo de atendimento, alegando falta de evidências científicas ou de necessidade clínica.
Essa situação foi denunciada pela musicoterapeuta Natália Magalhães, que há 15 anos atende crianças com diversas variações do espectro autista. Ela afirmou que os planos de saúde costumam negar a cobertura da musicoterapia quando os pacientes já fazem outros tratamentos, como fonoaudiologia, terapia ABA, terapia ocupacional, psicologia e consulta médica. “Toda vez que temos um estímulo que mexe com emoção, memória, a gente pisa em um terreno muito sensível”, disse Natália, ressaltando que a musicoterapia pode trazer resultados surpreendentes para as pessoas com autismo.
Ela contou que, em alguns casos, é através da música que se consegue ouvir as primeiras palavras de uma criança. “Muitas vezes é apenas dentro do campo musical que essa mãe escuta ‘mãe’ e um olhar direcionado para ela”, relatou. Ela também lembrou que a musicoterapia pode ajudar a reduzir o estresse e a ansiedade das mães, que sofrem com a sobrecarga e o isolamento social.
A advogada Jaque Raffler também falou sobre as dificuldades para conseguir os tratamentos adequados para seu filho João, de 3 anos, autista não verbal e com outras complicações de saúde. Ela disse que precisou entrar na Justiça para garantir os direitos do seu filho, como o acesso à terapia ABA (Análise do Comportamento Aplicada), uma das mais indicadas para o autismo. Ela também criticou a falta de preparo e de sensibilidade de alguns profissionais da saúde e da educação que atendem as crianças com autismo.
“O Município (de Novo Hamburgo) se credenciou para ter um centro de referência do autismo, mas as consultas ainda são em um número muito pequeno. Os atendimentos seriam de 150 usuários mensais, se não me engano. Novo Hamburgo, pelo que a gente tem registrado de autistas que possuem a carteira de identidade, são mais de 600 meninos e 283 casos de meninas”, informou Jaque, que defende o acolhimento em saúde e a inclusão das crianças na rede de ensino de forma respeitosa e atenta às necessidades.
A arteterapeuta Isa Reichert também compartilhou sua experiência como mãe adotiva de Indiara, de 10 anos, diagnosticada com autismo. Ela contou que deixou para trás uma carreira bem-sucedida como fotógrafa e optou por tornar-se arteterapeuta para acompanhar Indi em tudo que fosse necessário para ajudar no seu desenvolvimento. Ela disse que enfrentou muitos preconceitos e dificuldades para conseguir o diagnóstico e os tratamentos para sua filha, que hoje frequenta uma escola regular e tem uma vida feliz.
“Eu entendo que ser mãe atípica nos tira de muitas possibilidades financeiras, inclusive. A gente abdica muitas vezes da nossa profissão para estar com as crianças. Isso tudo implica e impacta justamente os tratamentos que a gente precisa oferecer para eles. O Estado oferece possibilidades, mas ainda é pouco”, afirmou Isa, que também destacou a importância da arte como forma de expressão e de conexão com as pessoas com autismo.