Documento científico sobre disforia de gênero
Os critérios diagnósticos para crianças com disforia de gênero (transtorno caracterizado pela desconformidade entre o sexo biológico e a identidade de gênero) compõem parte importante de documento científico divulgado pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). O texto Disforia de Gênero, produzido pelo Departamento Científico de Adolescência da entidade, traz uma atualização sobre o tema e tem como objetivo assegurar o correto atendimento e encaminhamento dos pacientes.
A presidente da SBP, Luciana Rodrigues Silva, está preocupada com a forma sensacionalista que essa temática tem sido tratada recentemente pela mídia. Ela ressalta a complexidade desse transtorno, cujo diagnóstico definitivo depende do envolvimento de uma equipe multidisciplinar. Ela alerta os profissionais e as famílias para o risco de decisões intempestivas e para o uso indevido de medicamentos, como o emprego precoce de hormônios sem a devida orientação clínica.
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IDENTIDADE DE GÊNERO – Segundo o estudo, é impossível prever se uma criança com sinais de desconformidade entre o sexo biológico e a identidade de gênero persistirá com esse problema na adolescência e na vida adulta. Pesquisas mostram que cerca de 90% das crianças voltam a ficar satisfeitas com o gênero biológico próximo à adolescência. Apenas em alguns indivíduos – chamados transgêneros ou transexuais –, porém, permanece a percepção de incongruência entre o sexo biológico (características genitais presentes ao nascimento) e a identidade de gênero.
De acordo com o documento, por volta do segundo ano de vida as crianças já conseguem se identificar como meninos ou meninas e apresentam brincadeiras relacionadas ao seu gênero. Entre os dois e três anos, no entanto, é que tem início a construção da identidade de gênero que, segundo o texto, é uma experiência pessoal e profunda que abarca aspectos emocionais, psíquicos, culturais e sociais. Entre os 6 e 7 anos, as crianças passam a ter consciência do seu gênero e de que ele permanecerá o mesmo.
A procura pela transexualização demandou do Ministério da Saúde a regulamentação desse processo e a instituição de unidades de atendimento especializadas no Sistema Único de Saúde – SUS (Portarias SAS 457/08 e GM 1707/08). Na mesma linha, o Centro de Referência e Treinamento DST/Aids do Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais de São Paulo publicou o protocolo de cuidados à saúde integral para travestis maiores de 18 anos. Apesar da disforia de gênero ser mais presente na idade adulta, o Parecer 08/2013 orienta que – quando o transtorno for confirmado por atender completamente os critérios diagnósticos do transexualismo, o tratamento hormonal deve ser iniciado na fase pré-púbere para supressão da puberdade do sexo de nascimento.
O diagnóstico de transtornos de identidade de gênero exige o envolvimento de médicos clínicos, pediatras, endocrinologistas e profissionais da saúde mental. Caso a disforia persista até os 16 anos, o CFM recomenda que a puberdade do gênero desejado seja, a partir de então, gradativamente induzida conforme protocolos detalhados no Parecer nº 8/13. Ressaltando que os pacientes devem ser informados até um nível adequado de compreensão sobre os riscos do tratamento de cada estágio terapêutico para que o consentimento seja válido.
A indisponibilidade de tratamento hormonal para transtornos de identidade de gênero pode ser questionada tanto ética quanto legalmente, cabendo salientar que pré-adolescentes e adolescentes precisam também do consentimento dos pais. Ao médico também é permitido recusar-se a fazer o procedimento por objeção de consciência.
Para casos de intervenções médico-cirúrgicas, devem ser atendidos os critérios definidos na Resolução CFM nº 1.652/12 como o prazo mínimo de dois anos de acompanhamento terapêutico anterior à cirurgia, maioridade e diagnóstico de transexualismo.
ACOLHIMENTO NO SUS – Atualmente, existem no Brasil, na rede pública de saúde, serviços ambulatoriais especializados destinados ao atendimento de travestis e transexuais no processo transexualizador. Estes serviços devem oferecer acolhimento e acesso com respeito aos serviços, desde o uso do nome social, passando pelo acesso à hormonioterapia, até a cirurgia de adequação do corpo biológico à identidade de gênero e social. Além disso, no campo ambulatorial, inclui-se terapia hormonal e acompanhamento dos usuários em consultas e no pré e pós-operatório.