Uma indagação complexa sobre odontologia paira sobre a cabeça daqueles que acompanham o noticiário e souberam recentemente sobre o caso da artista Renata Banhara, que descobriu uma infecção – iniciada por uma bactéria alojada no dente – que avançou sobre os tecidos do rosto e da cabeça. Por causa disso, a modelo já foi hospitalizada algumas vezes e submetida a duas cirurgias para remover algumas áreas de tecido necrosado e, assim, conter a contaminação. Para entender melhor como isso aconteceu e quais as prevenções, entrevistamos a Dr.ª Maristela Lobo, mestre em odontologia e doutora em clínica odontológica pela FOP UNICAMP e especialista em estética, periodontia e implante.
Por que acontecem infecções bacterianas como essa?
A boca é uma parte do corpo sensível a contaminações. Entretanto, quando há o equilíbrio da microbiota bucal – controle da quantidade e da qualidade dos microrganismos bucais endógenos através de uma excelente higiene oral e ausência de fatores que favoreçam o acúmulo da placa bacteriana, as doenças bucais infecciosas dificilmente se instalam. A presença de restaurações dentárias antigas insatisfatórias e canais radiculares malfeitos podem ser fatores retentivos de placa bacteriana, servindo como focos de infecção muitas vezes silenciosos e favorecendo o aparecimento de doenças bucais e muitas vezes sistêmicas.
Como nosso organismo reage a ações de bactérias na região bucal?
A boca contém diversos tipos de bactérias, que serão contidas por uma série de barreiras:
1) Há um selamento biológico (epitelial e conjuntivo) ao redor dos dentes que impede a passagem de bactérias orais ao meio interno (tecido conjuntivo, osso, corrente sanguínea). Se há falha nesse selamento biológico ou se há algum foco silencioso de infecção (canais radiculares que não foram tratados corretamente, mas que não exibem sintomatologia clínica, como dor ou sangramento ou pus ou qualquer sinal de inflamação), as bactérias patogênicas podem penetrar a corrente sanguínea e se alojar em órgãos vitais, como o coração, causando a endocardite bacteriana.
2) O próprio epitélio (tecido) oral é impermeável a tais bactérias.
3) A saliva é um líquido protetor, já que possui enzimas antibacterianas e anticorpos. Mas, algumas bactérias presentes na cavidade oral em focos infecciosos podem ser muito agressivas e, se caem na corrente sanguínea – quando, por algum motivo, a pessoa está debilitada do ponto de vista da saúde geral e/ou do sistema imunológico –, podem causar doenças.
Como a bactéria que se aloja no dente pode ser rapidamente identificada e tratada?
Revisão periódica em um dentista qualificado pode prevenir esse tipo de problema, embora a biologia nunca seja exata. Duas vezes por ano, visitas de rotina e check-ups bucais preventivos devem ser realizados; e uma vez por ano recomenda-se a aquisição de exames de imagem, tais como radiografias e ou tomografias computadorizadas, para a melhor avaliação das bases ósseas e de dentes que tenham prognóstico (futuro) duvidoso.
Como uma bactéria pode se alastrar de forma tão silenciosa, como no caso da Renata Banhara?
Não conheço a fundo o caso dessa moça. Mas, eu mesma já presenciei um paciente que dizia não enxergar bem do olho esquerdo (ele achava que era devido a uma catarata), relatar sensível melhora após a remoção de um molar infeccionado do mesmo lado. Durante a cirurgia, após a extração desse dente, uma quantidade considerável de pus foi drenada. Esse pus estava confinado nas regiões próximas ao seio maxilar, e certamente estava relacionado ao dente. Só foi possível diagnosticar o problema após reunir informações de anamnese (questionário feito ao paciente), exame clínico (inspeção visual e tátil do dente), radiografia (exame com imagem bidimensional) e tomografia computadorizada (exame com imagens tridimensionais).
Que outros tipos de complicações o paciente pode desenvolver?
Pode desenvolver endocardite bacteriana (bactérias orais se alojam no coração e podem, inclusive, matar); pode desenvolver gastrite; pode desenvolver osteomielite (inflamação e necrose do osso); pode dificultar o tratamento da diabetes; pode induzir o nascimento de bebês com baixo peso… Ou seja, a odontologia nem de longe se resume a consertar dentes; é uma área da saúde de extrema importância para o bem-estar da população. Por isso, é muito importante eleger um profissional clínico de confiança e seguir com as avaliações a cada seis meses – porque, assim, o dentista terá o histórico e saberá detectar precocemente focos infecciosos e alterações do estado de saúde bucal e geral do paciente.