Bordado Filé: o algodão brasileiro que é marca registrada do artesanato de Alagoas

Quem já visitou Maceió (AL) conhece as rendas que fazem sucesso nas vendas e feiras de artesanato da turística cidade e correm o mundo, levando as cores e a alegria do povo de lá. Mas, talvez, muitos não saibam quanta história carrega a renda colorida, feita com fios 100% de algodão, e que é registrada como patrimônio cultural imaterial de Alagoas. A região das Lagoas Mundaú-Manguaba abrange uma área de 252 km2 e abriga os municípios de Coqueiro Seco, Maceió, Marechal Deodoro, Pilar, Santa Luzia do Norte e Satuba, no estado de Alagoas. E é aí que o Bordado Filé foi certificado como marca alagoana e ajuda mulheres a conseguirem renda própria por meio do artesanato com o uso do algodão brasileiro.

Falando assim, parece que foi fácil conseguir a certificação. Nada disso. Petrúcia Ferreira Lopes, presidente do Inbordal (Instituto Bordado Filé das Lagoas de Mundaú-Manguaba), diz que a maratona desde a chegada do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) à região, até sair o certificado, foi longa. “Imagine que o trabalho de delimitar as regiões, conversar com as bordadeiras, reconhecer fazendas e engenhos que tinham o Bordado Filé começou em 2010, para o registro sair apenas em 2016.”

As ações para conseguir o certificado tiveram ainda que nomear os pontos, feitos de forma anônima e, muitas vezes, por intuição. Petrúcia explica que as mulheres faziam os pontos do bordado de cabeça, cada uma nomeava o trabalho de acordo com sua memória familiar, como as avós ou bisavós os chamavam. Só que para a certificação é necessária a identificação de cada um deles, e essa também não foi tarefa fácil.

“Até então ninguém tinha parado para catalogar os pontos. Em cada região, cada uma os chamava do jeito que queria. Imagine quantas reuniões tivemos que fazer para definir isso. Foram muitas discussões, porque uma falava que a tataravó dela chamava o ponto de X, a outra, de Y”, diz Petrúcia, rindo ao recordar-se da situação. O resultado de tanta dedicação foi a criação de um livro catalogando todos os pontos do Bordado Filé.
O Inbordal nasceu, oficialmente, em 2014, mas a identificação geográfica (que delimita uma região que possui um produto com características específicas) do bordado como marca foi dada pelo INPI (Instituto Nacional da Propriedade industrial) em 2016.

Hoje, o instituto inclui 30 mulheres associadas, que produzem jogos americanos, sousplat, toalhas e trilhos de mesa, além de blusas, saias e vestidos. Cada uma delas paga um taxa mensal de R$ 15, mas o trabalho do bordado, muitas vezes, é feito por um número maior de mulheres. “Esse valor de R$ 15 é alto para uma associada que recebe Bolsa Família, por exemplo. Então, quando ela leva um encomenda para casa, o bordado é feito em conjunto por ela, pela mãe, pelas filhas e pela nora. A família toda trabalha.”

E esse trabalho compartilhado explica a produção do número de peças feitas pelas 30 associadas. Em média, são 500 por mês. Mas há exceções. Há pouco tempo, uma encomenda exigiu que as bordadeiras confeccionassem 800 jogos americanos em 30 dias. E foram feitos. Trinta mulheres sozinhas não conseguiriam entregar o pedido. A encomenda mais recente, feita por uma empresa ao instituto, é exclusiva. Serão confeccionada cem luminárias de mesa, conhecidas como quenga de coco. Esta também será uma produção em cadeia.

Quase tudo de algodão

Da produção do Inbordal, quase 100% é feito com algodão nacional. Apenas em casos específicos, quando há um pedido especial, elas se utilizam de algum outro fio para tecer o Filé. Os produtos são comercializados em rodadas de negócios e feiras, além de vendas para empresas de outros estados. A presidente do Inbordal ressalta que o valor do Bordado Filé do instituto é diferente do filé comum, sem certificação, porque elas trabalham com malha pequena, o tamanho é padronizado e as peças quase simétricas. Há um limite de aceitação para as bordas, não podem ser tortas, assim como os pontos. “É artesanato, não dá para ser totalmente perfeito, mas existe um controle de qualidade, então leva mais tempo para ser feito.” Isso significa que as bordadeiras não associadas abrem mão do compromisso da qualidade testada e certificada pelo instituto, assim como da procedência da matéria-prima que utilizam.

Rastreamento do artesanato: a arte levada a sério

Já o Inbordal, com a ajuda do Sebrae, está contratando uma empresa de tecnologia para fazer o processo de rastreabilidade de seu produto, catalogando as artesãs e as peças. Petrúcia conta que é a primeira vez que será feita a rastreabilidade de um item na área de artesanato. As peças terão um QR Code – código de barras que pode ser escaneado pela maioria dos telefones celulares com câmera – na etiqueta, onde será possível identificar a artesã, região em que o artigo foi produzido, quanto tempo levou e que tipo de fio foi utilizado. As bordadeiras do instituto, em sua maioria, usam o lucro de seu artesanato para o sustento da casa e da família. São mulheres que vivem em comunidades carentes e que podem, por meio de seu trabalho com o Inbordal, garantir uma renda própria, além de difundir o Bordado Filé e o uso do algodão como matéria-prima.

Não existe palavra que melhor traduza todo esse esforço em construir o patrimônio cultural imaterial de Alagoas, e o trabalho realizado para catalogar e divulgar a cultura do bordado filé, do que amor. O amor pela arte e pela tradição que, construída, apresentada e difundida por gerações, e rastreada e transportada pelo mundo, nunca irá morrer. A Inbordal é parceira do movimento Sou de Algodão, e esteve no Ateliê do Algodão, no 11o Congresso Brasileiro do Algodão, em Maceió, entre 29 de agosto e 1º de setembro de 2017, mostrando que, com o algodão brasileiro é possível fabricar peças carregadas com cultura, tradição e amor.

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