Pesquisadores da UFRGS desenvolvem dieta para o estudo da obesidade

A obesidade é um problema de saúde pública de dimensões crescentes. Em 2015, segundo estudo publicado na revista médica New England Journal of Medicine, a condição atingia mais de 603 milhões de adultos e de 107 milhões de crianças em todo o mundo. A mesma pesquisa revela que o percentual de pessoas obesas dobrou em 73 países desde 1980. No Brasil, conforme dados do Ministério da Saúde, uma em cada cinco pessoas está acima do peso recomendado, e a prevalência da obesidade passou de 11,8%, em 2006, para 18,9%, em 2016. O crescimento da obesidade também pode ter colaborado para o aumento da prevalência de diabetes e hipertensão, entre outras enfermidades que estão diretamente relacionadas ao excesso de peso.

Dada a relevância da questão, é essencial que cientistas disponham de modelos confiáveis para o estudo dos mecanismos e dos efeitos da obesidade no organismo. Para as pesquisas que demandam a utilização de animais – como ratos e camundongos, por exemplo –, é bastante comum alimentá-los com dietas específicas que induzam o aumento de peso, possibilitando que os pesquisadores observem, no ambiente controlado do laboratório, as diversas variáveis relacionadas à obesidade.

Atualmente, as duas dietas mais utilizadas nesses casos são a Dieta Hiperlipídica, baseada numa alimentação com alto teor de gordura, e a Dieta de Cafeteria – na qual são comprados diferentes tipos de alimentos industrializados, como chocolates, biscoitos, salgadinhos, queijos, etc. Ambas, entretanto, são alvos de questionamentos em relação à sua efetividade e à falta de padronização, que pode influenciar nos resultados obtidos por cada grupo de pesquisa. No caso da Dieta Hiperlipídica, o teor de gordura dos alimentos pode variar de 20% a 60%. A Dieta de Cafeteria, por sua vez, além de estar sujeita a variações em relação aos alimentos encontrados em cada país, mesmo em nível regional, não possui padronização. Como comenta Rafael Bortolin, doutorando no Programa de Pós-graduação em Bioquímica da UFRGS, mesmo dentro da Universidade, diferentes grupos utilizam protocolos bem variados entre si.

Foi com a intenção de eliminar as desvantagens dessas dietas obesogênicas que Bortolin se dedicou a desenvolver uma nova dieta para a indução de obesidade em animais, chamada Dieta Ocidental. Baseada nos parâmetros de consumo de adultos dos Estados Unidos – país em que 70,7% das pessoas com mais de 20 anos possuem obesidade ou sobrepeso, conforme o Centro Nacional de Estatística em Saúde dos Estados Unidos –, a dieta teve sua efetividade testada a partir da comparação com as dietas Hiperlipídica e de Cafeteria. Os resultados do estudo, que faz parte da pesquisa de doutorado de Bortolin, foram publicados na revista International Journal of Obesity.

A Dieta Ocidental contém alto teor de açúcar, de gordura e de sal e baixa quantidade de fibras. Em termos de macronutrientes, é similar à Dieta de Cafeteria. Diferente desta, no entanto, a dieta desenvolvida por Bortolin não é composta por alimentos industrializados; é como uma ração produzida à mão. Além disso, a Dieta de Cafeteria envolve alimentos ultraprocessados, com muitos conservantes e aditivos químicos e deficientes em vitaminas, minerais e proteínas – o que não é o caso da Dieta Ocidental.

Para testar a efetividade de sua dieta, Bortolin e seu grupo de pesquisa (outros nove pesquisadores participaram do estudo) dividiram 48 ratos em quatro grupos e alimentaram cada grupo com uma dieta diferente – Hiperlipídica, de Cafeteria, Ocidental e uma dieta-controle – por 18 semanas. De fato, como previa a hipótese inicial, a Dieta Ocidental foi a que se mostrou mais efetiva para a indução da obesidade: os animais alimentados com ela foram os que mais ganharam peso e acumularam gordura, apesar de o consumo de calorias ter sido mais elevado entre os que comeram a dieta de cafeteria (provavelmente devido à palatabilidade da dieta, considerada a mais apetitosa pelos ratinhos).

Também se percebeu que a dieta rica em gorduras foi a que menos interferiu nos parâmetros avaliados, não induzindo nem à obesidade e nem às demais disfunções associadas ao excesso de peso. A baixa palatabilidade dessa dieta teve um papel importante nessa questão – entre as três, foi a que os ratos menos sentiam vontade de comer. Porém, mais do que isso, como aponta Bortolin, os resultados indicam que o alto teor de açúcar e a baixa quantidade de fibras talvez desempenhem um papel mais determinante para o desenvolvimento da obesidade do que a gordura.

Alimentos ultraprocessados e microbiota intestinal

Também chama a atenção os efeitos observados da Dieta de Cafeteria sobre a microbiota intestinal, o ecossistema de microorganismos que vive no trato digestivo de todos os animais (incluindo os humanos). O estudo demonstrou que o alto consumo de alimentos ultraprocessados causa um desequilíbrio na microbiota intestinal mais severo do que o observado com as outras duas dietas, sendo que a diversidade de microorganismos caiu pela metade nos ratos alimentados com a Dieta de Cafeteria. Isso ocorre, provavelmente, devido à grande quantidade de conservantes e à falta de nutrientes importantes nos alimentos industrializados.

Essa mudança na microbiota, chamada disbiose, tem sido relacionada a diversas doenças, incluindo diabetes, obesidade e enfermidades relacionadas ao sistema nervoso. “Imagino que boa parte dos efeitos que a gente vê nesse grupo que a gente chamou de Dieta de Cafeteria ocorre devido a essa alteração na microbiota. Por exemplo, já se sabe que existe uma relação entre a microbiota e o fígado, e a gente consegue ver que os fígados desses animais estão muito alterados. Talvez até mais do que os da dieta que a gente desenvolveu”, comenta Bortolin.

Como ressalta o pesquisador, a Dieta de Cafeteria se mostrou adequada para estudar os efeitos de alimentos ultraprocessados no corpo, e não a obesidade propriamente dita. “O que acontece é que essa dieta não é padronizada. Então, quando eu desenvolvo ela aqui, os animais comem coisas diferentes do que os do cara que fez lá nos Estados Unidos, porque os alimentos que tem lá são outros, e ele pode ter preparado porções em tamanhos diferentes. Assim, eu posso não ter desenvolvido a obesidade, mas ele sim. E talvez ele chegue à conclusão de que aquela dieta levou obesidade, que levou a uma série de outras consequências. Mas a gente conseguiu ver neste trabalho que ele não pode afirmar isso com essa dieta, os efeitos podem ocorrer devido a esses alimentos ultraprocessados, e a seus aditivos, principalmente”, destaca.

Outros estudos já haviam comparado os efeitos das dietas de Cafeteria e Hiperlipídica sobre diversos parâmetros – alguns com resultados diferentes dos obtidos por Bortolin, devido aos distintos protocolos adotados. Esse foi, contudo, o primeiro a comparar os efeitos das dietas sobre a microbiota intestinal. Assim, o doutorando ressalta a importância de se selecionar a dieta em função do que se pretende estudar, sendo que a Dieta Ocidental proporcionaria um modelo mais confiável para o estudo da obesidade. Agora, os pesquisadores do Centro de Estudos em Estresse Oxidativo da UFRGS, do qual Bortolin faz parte, botam em prática o conhecimento adquirido com esse estudo para desenvolver novas pesquisas relacionadas à obesidade, já utilizando o protocolo da Dieta Ocidental.

Artigo científico

BORTOLIN, R C et al. A new animal diet based on human Western diet is a robust diet-induced obesity model: comparison to high-fat and cafeteria diets in term of metabolic and gut microbiota disruption. International Journal Of Obesity, 2017.

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