A Selic (taxa básica de juros) alcançou o seu menor patamar da história – 6,5% ao ano. Os juros sobre o crédito para a aquisição de veículos, porém, não seguem a trajetória de queda, o que prejudica transportadores que dependem dos financiamentos para investir na modernização e ampliação da frota. Segundo o boletim Economia em Foco, divulgado pela CNT no fim de abril, as taxas médias para financiamentos, hoje, estão mais altas do que estavam em 2013, quando a Selic era de 7,25% ao ano.
No começo de 2013, o financiamento de veículos novos para pessoas jurídicas tinha juros médios de 16,41%; no primeiro bimestre de 2018, ficou em 16,44%. Para pessoas físicas, a diferença é ainda maior: a taxa média, que era de 20,32% em 2013, chegou a 22,60% neste ano.
Para o diretor de economia da Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade), Miguel José Ribeiro de Oliveira, as taxas de juros finais estão em tendência de queda, mas ainda estão longe dos patamares anteriores à crise econômica iniciada há cinco anos. “[À época] houve uma elevação substancial dos juros e, por conta da recessão, os bancos foram muito pessimistas em função do desemprego e subiram muito as taxas.” Segundo ele, a inadimplência, mesmo em trajetória de queda, ainda preocupa. “É claro que não é algo que justifique esse patamar, mas o fato é que os juros subiram muito e, agora, estão caindo a conta-gotas.”
Vale lembrar que, no primeiro bimestre de 2018, do saldo total de crédito disponível para as empresas para aquisição de veículos, 5,1% estavam atrasados na média de janeiro e fevereiro contra 8,6% cinco anos atrás. Já para pessoas físicas, 6,6% estavam com atraso entre 15 e 90 dias, enquanto, no primeiro trimestre de 2013, esse valor era de 8,6%.
Além disso, no primeiro trimestre deste ano, do saldo total de crédito para pessoas jurídicas para aquisição de veículos, 2,7% estavam inadimplentes, contra 4,8% em 2013. Em relação ao crédito tomado pelas pessoas físicas, a inadimplência registrou 3,7% na média de janeiro a março de 2018. No primeiro trimestre de 2013, ela era de 6,4%.
Mesmo com a redução dos atrasos dos pagamentos e da inadimplência, os transportadores e os brasileiros de maneira geral estão pagando mais caro para adquirirem veículos hoje e, diante desse cenário, o questionamento que fica é: por que as taxas não caem? Oliveira pondera que essa relação não diz respeito apenas à Selic, já que ela é apenas um dos itens que compõem o custo final. “Quando você vai fazer um financiamento de uma casa, de uma geladeira ou de um automóvel, existe uma taxa de juros anunciada, por exemplo, de 2% ao mês. Dentro dessa taxa, estão embutidos cinco grupos de despesa: a Selic, impostos compulsórios, despesas administrativas (custos de empregado, de processos, agências), o risco (a previsão de perda) e a margem da empresa”, explica.
Incerteza
Outro fator que dificulta esse processo de queda é a concentração de crédito registrada no Brasil. Os cinco principais bancos detêm quase 80% do volume de crédito do país. Quem descreve esse quadro é o economista da LCA Consultores, Fernando Sampaio, segundo o qual, a falta de competição também ajuda a explicar por que as taxas de juros não são reduzidas mais fortemente.
De acordo com ele, as instituições financeiras ficaram reticentes por conta da recessão, fazendo com que algumas “tirassem o pé” dos investimentos para esse segmento. “No fundo, quem está no mercado de financiamento de transporte, falando mais do segmento automotivo, são Bradesco, Itaú, Santander, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil. A estratégia do Itaú e do Bradesco está sendo a de tirar a ênfase. Eles estão aceitando perder participação no mercado, ou seja, não estão brigando com tanta força como antes. O Santander está com apetite e fechou parceria com algumas montadoras e é quem está abocanhando maior participação de mercado no período recente.” Para ele, o fato é que, se há dois dos cinco grandes desacelerando, a concorrência no segmento é afetada.
Nova agenda
Para tentar mitigar as anomalias do mercado, busca-se reduzir os spreads bancários (diferença entre o custo do dinheiro para o banco – o quanto ele paga ao tomar empréstimo – e o quanto ele cobra para o consumidor na operação de crédito) e baratear o crédito e, para isso, o Banco Central vem investindo em uma série de iniciativas no âmbito da chamada Agenda BC+.
Também está em análise, no Congresso Nacional, a proposta que regulamenta o registro eletrônico de duplicatas – título de crédito que, por ter força equivalente a uma sentença judicial transitada em julgado, pode ser executado para cobrar débitos decorrentes de operações de compra e venda a prazo, o que não ocorre com boletos e notas promissórias, que precisam ser contestados judicialmente. “Essa é uma agenda mais regulatória e, portanto, mais lenta; não é tudo uma decisão administrativa, existem coisas que passam pelo Congresso, como o cadastro positivo e a duplicata eletrônica.”
A agenda, entretanto, tem esbarrado na resistência dos parlamentares ou na lentidão dos trabalhos do Legislativo em ano de eleições. Sem que o spread caia, a forte redução da taxa de juros básica da economia, ao menor patamar da história, acaba sendo inócua, pois tem baixo impacto nos juros finais dos empréstimos do banco. O economista Fernando Sampaio salienta que o governo precisa continuar promovendo os ajustes e as reformas estruturais para que a confiança do mercado nas políticas econômicas seja garantida e a inflação e a Selic se mantenham baixas.
Diante disso, os especialistas ouvidos pela reportagem consideram mais prudente esperar até a transição do governo, no ano que vem, para fazer planos de troca de caminhão ou de ampliação da frota, à exceção de alguns casos. Segundo eles, até lá, os bancos estarão mais tranquilos para emprestar, e os juros seguirão em trajetória descendente.