Em assembleia Geral, em São Paulo, há cerca de um mês, a FEBRASGO (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) aprovou nova recomendação para os ginecologistas e obstetras do País, em casos de interrupção da gravidez. Depois de amplo debate, com garantia absoluta de contraditória, decidiu-se, por unanimidade, o posicionamento contrário à criminalização das mulheres que venham se submeter a um aborto. Composta por representantes de todas as sociedades de Ginecologia e Obstetrícia das 27 unidades federativas do Brasil, “a Assembleia Geral da FEBRASGO aprovou, por consenso, o entendimento de que a decisão de realizar ou não um aborto compete à mulher única e exclusivamente”, conforme informa o presidente Cesar Eduardo Fernandes.
Nos debates, bem entrou em deliberação a conceituação Legal do aborto, proibido no País pelo Código Penal de 1940. “Não cabe à FEBRASGO se posicionar contra ou a favor do aborto. Não entramos neste mérito nem o faremos. Compreendemos que a mulher tem razões próprias, tem convicções. Isso passa por suas crenças, religião, por seu entendimento de vida. Portanto, a FEBRASGO não cometerá ingerência em uma esfera que não lhe cabe.” Fernandes pontua que “vivemos em um estado predominantemente católico, mas plural, no qual as pessoas têm livre arbítrio e as mulheres, autonomia para tomar a melhor decisão para suas vidas.”
“Não adianta proibir, não adianta criminalizar. A mulher fará o aborto se quiser ou precisar e está tudo caminhando para a descriminalização do aborto. Legalizado ou não, o aborto existe”, admite Rosires Pereira Andrade, presidente da Comissão Nacional Especializada de Violência Sexual e Interrupção Gestacional Prevista em Lei, da FEBRASGO, e professor Titular de Reprodução Humana da Universidade Federal do Paraná. Ele cita o pensador Voltaire para sustentar a posição da FEBRASGO. “Em seu livro ‘Tratado sobre a tolerância’, Voltaire tratou com muita propriedade o tema, a postura de equilíbrio que devemos ter diante do outro. Não podemos é colocar a religião à frente do livre arbítrio, de necessidades de foro íntimo.”
Em 3 de agosto, Andrade fará a sustentação oral da posição da FEBRASGO acerca da da mulher que se submete ao abortamento durante audiência pública sobre o tema convocada pela ministra Rosa Weber, do STF (Supremo Tribunal Federal).
A FEBRASGO é uma das instituições que serão ouvidas na audiência na condição de amicus curiae na ADDFP 442 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental). Para ser considerada amicus curiae e participar da audiência pública, a FEBRASGO apontou a relevância de ser parte integrante dos debates trazendo à luz o número de abortos praticados no Brasil.
Dos 503 mil realizados em 2015, metade foram feitos ilegalmente e necessitaram de intervenção médica. Na América Latina, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), mais de 3 milhões de mulheres tiveram complicações de saúde após a realização de abortos inseguros e nem recebem atendimento médico. No mundo, diz a OMS, entre 20% e 30% dos abortos inseguros resultam em infecções e infertilidade.
Para atestar sua representatividade, a FEBRASGO argumentou que o STF deveria incluir no debate organizações da sociedade civil e conselhos profissionais que possam contribuir para a reflexão, trazendo informações relevantes sobre o aborto, saúde reprodutiva da mulher e a Federação, afinal conhecimento e a experiência são necessários para embasar a decisão judicial, além de ter competência institucional de representar as associações estaduais.
Assim, a participação da FEBRASGO na ADPF tem caráter técnico levando-se em conta a atuação profissional do Ginecologista e do Obstetra no que corresponde aos procedimentos de aborto e a relação desses procedimentos com os preceitos fundamentais que são objetos da ADPF 442, “da dignidade da pessoa humana, da cidadania, da discriminação, da inviolabilidade da vida, da liberdade, da igualdade, da proibição de tortura ou tratamento desumano ou degradante, da saúde e do planejamento familiar de mulheres, adolescentes e meninas (Constituição Federal).”
A ADFP 442 pede que os dispositivos 124 e 126 do Código Penal (que criminalizam a interrupção da gravidez) sejam desconsiderados pelo Supremo, pois “afrontam a dignidade da pessoa humana, a cidadania, a não discriminação, a inviolabilidade da vida, a liberdade, a igualdade, a proibição de tortura ou o tratamento desumano e degradante, a saúde e o planejamento familiar das mulheres e os direitos sexuais e reprodutivos.”
O artigo 124 do Código Penal (1940) diz que “provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena – detenção, de um a três anos”, e o 126, “Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena – reclusão, de um a quatro anos. Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.”