Projeto oferece obras raras da cultura de Brasil e Portugal
A Editora Unesp lançou, no último dia 15 de dezembro, dentro de seu selo Cultura Acadêmica, a coleção de e-books Memória Atlântica. O projeto tem a intenção de oferecer gratuitamente ao público, especializado ou não, acesso a edições digitais de obras raras da cultura luso-brasileira.
O projeto é iniciativa do grupo de pesquisa Escritos sobre os Novos Mundos e conta com a parceria da Fapesp, Academia Portuguesa de História e da Fundação Editora Unesp. As obras estão disponíveis para download no site do selo Cultura Acadêmica (https://www.culturaacademica.com.br).
“A ideia surgiu das nossas reflexões sobre o papel da História e das Ciências Humanas na constituição da sociedade. Neste sentido, pensamos em algo que pudesse funcionar como um serviço público, colaborando para a constituição de uma memória e de uma identidade nacional”, explica o professor Jean Marcel Carvalho França, professor da Unesp no câmpus de Franca e integrante do grupo. “Este é um conceito que anda bastante abalado, mas acho que ainda é tempo de reconstituir uma ideia de valores e de passado comum”, comenta.
Carvalho França explica que o grupo foi criado em 2008, mas ganhou consistência em 2015, quando foram contemplados com um auxílio à pesquisa temático da Fapesp. Segundo descrição da Biblioteca Virtual da agência de fomento paulista, O projeto Escritos sobre os novos mundos: uma história da construção de valores morais em Língua Portuguesa “procura, por um lado, definir as linhas gerais de um amplo plano de estudos que pretende estabelecer os procedimentos de abordagem de uma história, não fundada e não representacionista, da construção de padrões morais, uma história dos modos de produção da verdade em língua portuguesa; por outro lado, e complementarmente, explicitar os desdobramentos que pretendemos implementar nos novos bancos de dados a serem organizados”.
As obras
As edições, que abarcam documentos inéditos, obras nunca antes publicadas em português e obras cujas impressões estão hoje inacessíveis, são precedidas por uma introdução histórica, composta por um ou mais especialistas, e seguida da versão integral do escrito, anotada e com ortografia e pontuação modernizadas.
Os dois volumes que abrem a coleção são: o Tratado sobre Medecina que fez o Doutor Zacuto para seu filho levar consigo quando se foy para o Brazil. Disposto e Copeado por hordem de Ishack de Matatia Aboab, escrito em 1540 por B. Godines, um manuscrito inédito preparado pelos historiadores Ana Carolina Viotti e Gabriel Ferreira Gurian; e Ensino Cristão, obra editada pela primeira vez por Luís Rodrigues em 1539, e preparada pelo historiador Leandro Alves Teodoro.
A cada cinco, seis meses, aproximadamente, serão lançados dois volumes da coleção: um mais voltado para a memória da Península Ibérica (a capa traz um ramo de oliva) e outro relacionado à memória da América Portuguesa, do Brasil (a capa traz um ramo de café).
“Além de ser um serviço publico, ele tem uma garantia qualidade porque é elaborado apenas por pesquisadores renomados da área. O projeto recupera textos que não estão disponíveis no mercado para ninguém”, reforça o docente da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (FCHS), de Franca.
O Ensino Cristão foi impresso no ano de 1539 pelo editor Luís Rodrigues com o objetivo de oferecer ao fidalgo da Corte dos reis de Avis um rol de conselhos acerca das maneiras como deveria cuidar de si e de sua casa. Composto de treze capítulos não muito longos, esse documento vinha atender à demanda da época por obras de fácil aprendizagem e que ajudassem os nobres a se tornarem fiéis comprometidos com seus deveres religiosos.
Era 5450 no calendário judaico, em alguma data entre 1689 e1690 em seu equivalente gregoriano, quando o mercador Ishack de Matatia Aboab manda Benjamin Godines providenciar uma cópia do Tratado sobre medicina que fez o doutor Zacuto para seu filho levar consigo quando se foi para o Brasil, para dar a seu próprio filho, David Aboab Curiel. Nesse livro, diz Aboab, em carta que fez questão de anexar após a transcrição, “está incluída quase toda a medicina”, e por isso o destinatário da cópia deveria “ler a miúdo o livro que o Doutor Zacuto fez”. A cópia encomendada pelo mercador Aboab e aquela que seria predecessora a ela, da qual o copista se valeu, permaneceram manuscritas desde então, e conhecem, com essa edição, pela primeira vez a prensa. São 48 capítulos e uma lista de advertências sobre as principais doenças a serem conhecidas e combatidas, as explicações de como identifica-las, as características manifestas nas diferentes gentes, os ingredientes e procedimentos necessários para curar meia centena de achaques, enfim, uma série de questões clínicas, em língua vernácula, o português, portanto mais acessível. Neste volume, além da inédita edição do Tratado sobre medicina […], são apresentados dois estudos sobre temas relacionados ao livreto, além de uma introdução crítica da obra, um glossário de ingredientes e procedimentos médicos do período e uma listagem dos pesos e medidas então utilizados pelos doutores.