O setor ferroviário brasileiro vive um momento bastante particular. Apesar do crescimento no volume de produtos e no número de pessoas transportadas nos últimos anos, a produção de equipamentos teve, em 2018, o seu pior desempenho. A renovação dos contratos de concessões e novas linhas que serão colocadas em operação, no entanto, podem mudar o cenário. De acordo com dados da Abifer (Associação Brasileira da Indústria Ferroviária), em todo o ano passado, foram produzidas apenas 64 locomotivas no país, menor número desde 2015. Naquele ano, foram fabricadas 129 locomotivas; no ano seguinte, o total caiu para 109; e para 81 em 2017.
E não foram só as locomotivas que deixaram de ser produzidas, a indústria de vagões também sofre com a baixa demanda. Em 2017, foram feitos 2.878 vagões. No ano passado, o número caiu para 2.566. No cenário de passageiros, a realidade também é a mesma. Com uma capacidade instalada para a produção de 1.200 carros por ano, a planta industrial brasileira produziu apenas 312 equipamentos no último ano, uma ociosidade de 75%. Para este ano, a previsão é de apenas 135 carros.
“A perspectiva é a pior possível. Estamos aguardando a antecipação das renovações das concessões que aconteceram entre os anos de 1996 e 1998. A partir disso, poderemos recuperar até o número de mão de obra. Nos últimos dez anos, investimos mais de R$ 10 bilhões em tecnologia, novas instalações e inaugurações de fábricas. Precisamos das renovações para a indústria voltar a ter volumes que a façam ressurgir, pois o grande diferencial é a contrapartida que vai ser feita em investimentos imediatos, em um espaço de até cinco anos”, afirma o presidente da Abifer, Vicente Abate.
De acordo com ele, entre 2014 e 2015, quando foram realizados investimentos no setor, o número de produção cresceu. “No caso dos vagões, em 2014, foram 4.703 produzidos e entregues; em 2015, 4.683. Depois desse aquecimento, os números passaram a cair na mesma proporção da queda do investimento e com a chegada do fim das concessões. A previsão para esse ano é de apenas 1.500 vagões produzidos. Como manter a fábrica, se estamos trabalhando com 80%, 90% de ociosidade?”, questiona ele.
De acordo com o presidente da ANPTrilhos (Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos), Joubert Flores, o baixo investimento em ampliação de linhas traz pouca renovação para o setor. “Como temos pouco investimento no aumento das redes, temos poucas encomendas de novos trens. A expectativa é que o governo vem acenando com um programa para a modernização das frotas em operação. Com isso, ganham as operadoras, que terão trens mais modernos, ganham os passageiros e ganha a indústria.” Dados da associação mostram que, em 2017, foram transportados 2,93 bilhões de passageiros.
Concessões
Em nota, a ANTF (Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários) cita que “a redução do volume de compras nos últimos anos deve-se ao fato de as concessões estarem entrando no terço final dos contratos, o que dificulta investimentos por conta do prazo reduzido para amortização. A partir das renovações e das novas concessões, o mercado deverá voltar a aquecer”.
A nota ainda cita que prorrogar antecipadamente os contratos das concessões, que vencem a partir de 2026, é a melhor opção para o país e que, com as concessões antecipadas, as empresas investirão mais de R$ 25 bilhões nos próximos cinco anos no setor ferroviário. “Esses recursos serão direcionados para o aumento da capacidade de transporte da malha, para a redução de conflitos urbanos e para a superação de gargalos logísticos. Isso significa ter recursos para estender a malha ferroviária e melhorar a qualidade e a segurança do transporte de carga do país”, finaliza a nota.
Desde o início das concessões, as ferrovias de cargas têm ampliado os seus índices de produtividade. Dados da ANTF mostram que a produção ferroviária chegou a 407 bilhões de toneladas por quilômetro no Brasil em 2018, alta de mais de 170% em relação ao índice de 20 anos antes, quando teve início a operação privada. Embora esse volume ainda seja baixo dentro da matriz de transporte nacional, quando se avaliam apenas as commodities agrícolas, as ferrovias são responsáveis por 40% do que chega aos portos, e a 95% do minério.
Os contratos das concessões que ocorreram na década de 1990 possuem cláusulas que anteveem a probabilidade de prorrogação das concessões, por igual período (30 anos). Além disso, recentemente, a lei n.º 13.448 trouxe parâmetros e metodologias adequados que reforçam a prorrogação.
Em nota, a Secretaria do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos) afirma que apenas cinco concessionárias estão aptas à prorrogação antecipada dos contratos, visto que a própria lei prevê o atendimento a metas de produção e segurança. São elas: Rumo Malha Paulista, MRS Logística, Vitória a Minas, Carajás e Ferrovia Centro-Atlântica. “O processo mais adiantado é o da Rumo. A demora se justifica pela necessidade de se refazer parte dos estudos de demanda – operacional, engenharia e modelagem econômico e financeira – após a fase de consulta pública. No momento, o processo está sob análise do TCU (Tribunal de Contas da União) desde outubro de 2018.”
A nota ainda ressalta que, na prorrogação antecipada, feita por meio de termo aditivo ao contrato, as empresas interessadas são as próprias concessionárias já citadas e que as cinco concessões são prioritárias, pois a segurança de contar com mais 30 anos após o fim das atuais concessões permite às empresas realizar investimentos antecipadamente, seja em aquisições de locomotivas e vagões, seja na ampliação da capacidade da ferrovia, por meio da construção de pátios de cruzamento e duplicação de trechos.
Para o diretor de relações institucionais da MRS, Gustavo Bambini, as renovações antecipadas são o melhor instrumento para destravar investimentos no setor ferroviário. “Quando olhamos para as concessões atuais, estamos falando de ganhos de capacidade instalada, produtividade, velocidade comercial e segurança. Vamos oferecer um transporte ainda mais eficiente para o setor produtivo brasileiro. Poderemos ampliar pátios e terminais, adquirir material rodante e implementar sistemas de sinalização, de tecnologia e de gestão”, destaca ele.
Na visão dele, a não renovação dos contratos pode colocar em risco a indústria ferroviária nacional e o desempenho da economia nacional. “Se considerarmos que a ferrovia já atende com share elevado, segmentos como o agronegócio, a mineração e outros de contribuição diferenciada para a nossa economia – todos eles com projeções de crescimento de produção no médio prazo – sem as concessões, colocamos em risco o desempenho futuro de toda a nossa estrutura de comércio exterior.”