A partir deste ano, o primeiro sábado de novembro é escolhido no Brasil como o Dia Mundial de Conscientização da Síndrome da Quilomicronemia Familiar, doença que ainda não tem tratamento medicamentoso, além de dieta restrita e exames constantes de acompanhamento.
A Síndrome da Quilomicronemia Familiar é uma doença genética e hereditária rara – estima-se que entre três mil a cinco mil pessoas vivam com a síndrome em todo o mundo – que altera o metabolismo impedindo o corpo de metabolizar gorduras da dieta e pode levar à morte por episódios de pancreatite, uma inflamação no pâncreas. O paciente apresenta altas taxas de triglicerídeos no sangue, podendo chegar a concentrações de até 10.000 mg/dL, quando os níveis normais não deveriam passar de 150 mg/dL.
A gordura dos alimentos depois de ser absorvida para o sangue é decomposta com a ajuda de uma enzima chamada lipase lipoproteica. Em pessoas com Síndrome da Quilomicronemia Familiar, essa enzima está ausente ou disponível apenas em quantidades muito pequenas, ou não funciona adequadamente, portanto as gorduras dos alimentos não são metabolizadas e os triglicerídeos se acumulam no sangue.
Esse acúmulo de triglicerídeos contínuo gera o principal sintoma da doença: a pancreatite aguda ou recorrente. “O paciente sofre de muitas dores abdominais causadas pela inflamação do pâncreas e em alguns casos pode ser fatal. Outros sinais da Síndrome da Quilomicronemia Familiar são aparecimento de xantomas (depósitos de gordura na pele), lipemia retinalis (aparência leitosa das veias e artérias da retina), aumento do fígado e baço e sintomas neurológicos como esquecimento, fadiga ou perda de memória”, diz o diretor de Unidade Clínica de Lípides do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e cardiologista, Raul Santos.
Embora a Síndrome da Quilomicronemia Familiar seja uma doença para a vida toda, a idade em que os pacientes apresentam sintomas pela primeira vez e os tipos de sintomas que apresentam podem variar. E, por ser rara, muitos profissionais de saúde nunca ouviram falar da Síndrome da Quilomicronemia Familiar ou podem não saber como diagnosticá-la. “Há casos em que o bebê começa a ter dores abdominais desde o nascimento e outros que levam 20 a 25 anos para terem sintomas e serem diagnosticados. O que leva a essa demora é que os pacientes são tratados durante as crises de pancreatite como um problema do pâncreas e não por uma consequência da Síndrome da Quilomicronemia Familiar”, explica o médico.
Receber o diagnóstico de Síndrome da Quilomicronemia Familiar pode proporcionar um alívio aos pacientes e a seus cuidadores que, rapidamente, pode se transformar em confusão, visto que ter uma doença rara pode ser uma experiência bastante complexa. Os pacientes com Síndrome da Quilomicronemia Familiar geralmente precisam consultar vários prestadores de serviços de saúde e fazer exames médicos laboratoriais frequentes, ao mesmo tempo em que fazem mudanças drásticas no estilo de vida.
A maior mudança se reflete na alimentação. “O que o paciente come ou bebe é a chave para conviver com a Síndrome da Quilomicronemia Familiar. Aprender a desfrutar de padrões alimentares saudáveis e desenvolver rotinas é fundamental. Devido à sua incapacidade de quebrar a gordura, as pessoas com Síndrome da Quilomicronemia Familiar devem seguir um regime específico de alimentos e bebidas. É fundamental que eles não comam mais de 20 gramas de gordura total por dia, fracionados ao longo do dia e nem todos em uma grande refeição. Eles devem evitar beber álcool e limitar carboidratos simples, como açúcar, doces, sucos e refrigerantes”, explica o médico.
Ainda não existe nenhum tratamento com medicamentos para a Síndrome da Quilomicronemia Familiar, o que faz desse controle alimentar a maior arma contra a doença. “É uma doença complicada de tratar porque os medicamentos atuais que reduzem a concentração de triglicerídeos no sangue não são eficazes no caso da Síndrome da Quilomicronemia Familiar”, diz Raul Santos.