O pé é uma estrutura complexa, com muitas articulações e vários graus de liberdade que desempenham um papel importante na postura estática e em atividades dinâmicas como a corrida.
O desenvolvimento evolutivo do arco do pé coincidiu com as maiores exigências impostas a ele quando os humanos começaram a fazer atividades de impacto. O movimento e a estabilidade do arco são controlados pelos músculos intrínsecos e extrínsecos do pé. No entanto, os músculos intrínsecos (que começam e terminam no pé, sem ter relação com o restante do tornozelo e perna) começaram agora a ser estudados por médicos e pesquisadores.
Os músculos intrínsecos do pé plantar consistem em quatro camadas de músculos profundamente ligadas à aponeurose plantar. As duas primeiras camadas têm configurações musculares que se alinham com os arcos longitudinais medial e lateral do pé, enquanto as camadas mais profundas se configuram mais com os arcos transversais anterior e posterior.
Os músculos intrínsecos do pé são apresentados em sua orientação anatômica nas camadas plantares e no músculo intrínseco dorsal: abdutor hallucis, flexor digitorum brevis, abdutor digiti minimi, quadratus plantae (observe sua inserção no tendão flexor digitorum), lúmbricos (observe sua origem no tendão flexor longo dos dedos), flexor mínimo dos dedos, adutores hallucis oblíquos (a) e transversais (b) cabeças, flexores hallucis brevis, interósseos plantares, interósseo dorsal e extensor digitorum brevis.
Esses músculos raramente são abordados em programas de reabilitação, fisioterapia e preparações físicas. Intervenções para problemas relacionados ao pé são mais frequentemente direcionadas para apoiar externamente o pé, em vez de treinar esses músculos para funcionarem conforme são projetados. Por isso, propomos um novo paradigma para entender a função dos pés, uma vez que atendo diariamente pessoas com queixas de dores nos mesmos.
Começamos com uma visão geral da evolução do pé humano, com foco no desenvolvimento do arco. Isto é seguido por uma descrição dos músculos intrínsecos do pé e sua relação com os músculos extrínsecos. Traçamos paralelos entre os pequenos músculos da região do tronco que compõem o núcleo lombo pélvico e os músculos intrínsecos do pé, introduzindo o conceito de núcleo do pé (foot core), assim como o já consagrado core da coluna, uma vez que precisamos entender, ao examinar, as relações sinérgicas entre esses músculos com a anatomia óssea relevante e a configuração da cúpula dos pés (arco plantar), assim como sua estabilização e formação.
Em seguida, integramos o conceito de núcleo do pé na avaliação e tratamento de dores e problemas pé. Por fim, pedimos uma conscientização maior da importância da estabilidade do núcleo do pé para a função normal e da extremidade inferior como um todo e para a prática desportiva de excelência, uma vez que a maioria das pessoas se surpreende ao descobrir a quantidade de músculos que possuímos no pé e que, portanto, merecem atenção.
Os mais importantes somam os onze descritos na figura acima, e isso contando somente os que são intrínsecos. Negligenciar os pés pode levar a consequências negativas na corrida, caminhada ou qualquer outro esporte, pois esse segmento é essencial para uma boa biomecânica, estabilização e até mesmo performance.
Exercícios para fortalecer o núcleo dos pés
Ficar em um pé só, tentando manter o lado que ficou no chão o mais parado possível, é um ótimo exercício. Conforme evolui, pode ir para o colchão ou algo mais instável, como o bosu, muito usado no Pilates.
Aprenda a treinar a musculatura do pé de forma simples:
- Em pé, tente deixar o arco interno do pé mais alto, sem mover o restante da perna. Você deve sentir que está fazendo força nos músculos da sola do pé. No começo é difícil, mas é só uma questão de prática. Cuidado com as câimbras;
- Abra e feche os dedos para as laterais;
- Arraste os dedos no chão como se quisesse usá-los para puxar algo para perto de você. Use uma toalha e tente enrugá-la;
- Ande mais descalço: a sola do pé é cheia de sensores que ajudam o cérebro a controlar melhor o movimento e o equilíbrio, então é importante tirar os sapatos e sentir o chão de vez em quando. Vale até dar pequenas corridas;
- Fique em um pé só, tentando manter o lado que ficou no chão o mais parado possível. Conforme evolui, pode ir para o colchão ou algo mais instável.
Há evidências crescentes que sugerem que o treinamento do núcleo do pé por meio de progressões de exercícios como essas acima pode melhorar a função do pé. Por exemplo, quatro semanas de treinamento com exercícios para os pés em indivíduos saudáveis reduzem o colapso do arco, avaliado por medidas do índice de queda e altura do arco, e melhoram a capacidade de equilíbrio e ganhos de controle postural em alguns trabalhos.
Em adultos jovens saudáveis com pés planos, houve um aumento significativo na força de flexão do dedo grande do pé e na área da seção transversal do músculo abdutor do hálux após quatro semanas de exercícios, evidenciando portanto que fortalecer o core do pé demonstra melhora da função, além de ajudar, segundo outros autores, na redução da instabilidade crônica do tornozelo, melhorando também o equilíbrio.
Dra. Ana Paula Simões, Médica mestre em ortopedia e traumatologia pela Santa Casa de São Paulo e membro da Sociedade Brasileira de Medicina Esportiva, é professora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo