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“LARGA O OSSO?” – Uma crônica das eleições municipais de 2020

João Darzone – advogado
12/11/2020

A maioria dos candidatos à reeleição reduzem a pó, um dos mantras da democracia:“a alternância de poder”. O mantra é fundamento de marketing político de todo projeto político iniciante, uma premissa que faz o eleitor repensar um “estado de coisas”que não tem controle, mas sente os efeitos bons ou ruins, mas que pode ser alterado pelo voto.

“Alternância de poder” é a grande “ponta de lança” das oposições, porém quando a oposição alça o poder e se torna situação, a premissa é “invertida” e a história tem mostrado que este mantra só vale quando não se está na posição de poder.

Quando a oposição se converte em situação, inicia-se um fenômeno psíquico que acontece a todo político que vira situação, e estes passam a sofrer da chamada “síndrome do cão que não larga o osso”, síndrome essa que acomete quem não abre mão de uma coisa muito boa ou de que se gosta muito.

Essa espécie de “possessividade canina pela cadeira de poder” é muito evidente nas eleições e diz muito sobre os indivíduos que estão tentando não “perder o osso.”

Para manter “o osso do cão” o marketing político precisa lidar com três equações fundamentais em qualquer reeleição:

(a) de continuidade de políticas públicas eventualmente acertadas e talvez aprimorá-las;

(b) como dar soluções para o que não deu resultado ou está complemente errado; e

(c) como “gourmetizar” o que foi feito “para deixar bonito” para o eleitor ver ou esconder as falhas de algo que não deu muito certo, mas não está na vista;

Essas três equações, no entanto, podem se igualar a zero, se comparadas com o “novo”, ou com a novidade, ou simplesmente se o “principio da alternância de poder” se fizer valer.

Mas é preciso que a “novidade” tenha visibilidade para se comparar com o “velho” e neste ponto a “novidade eleitoral” tem a desvantagem de não contar com a máquina pública e seu aparato de influência, que apenas na lei encontra óbice de uso pelo candidato a reeleição, pois a prática tem mostrado justamente o contrário.

O político cuja situação predomina “equação (a)”, o bom gestor/legislador, que apresentou bons resultados em sua gestão/legislatura não precisa se preocupar porque as suas ações não precisam ser mostradas porque são aparentes e percebidas, geralmente sagra-se vencedor nas urnas para continuidade.

As campanhas desse perfil de político são relativamente baratas, geralmente alcança-se uma certa fidelidade do eleitor e o confronto passa a ser de ideias, pois os fatos e realizações são perceptíveis pelo eleitor. O problema é que esta equação (a) é rara de acontecer.

Já os políticos (que são maioria) cuja situação predominam as “equações (b) e (c)”, precisam ser “trabalhados” pelos profissionais do marketing político que não raras vezes precisam “tirar leite de pedra”.

E nestas eleições se vê que o marketing político muitas vezes perde a noção do ridículo na tentativa de gourmetizar feitos de gestores medíocres. Vide que na cidade de Santana no Piauíse institucionalizou a inusitada solenidade de “inauguração de postes” mostrando que não há limites para políticos que não querem “largar o osso”.

E em São Leopoldo, nunca se viu tanta festa em torno de coisas elementares, bastando ouvir a Radioweb da Prefeitura, em que a óbvia atividade do gestor era tratada como um ato de extraordinária dimensão aplaudida por dezenas de puxa-sacos.

E manter o “osso” é trabalhar nas três equações fundamentais, para que “não tendam ou resultem em zero”.Logo,as articulações do político focam na organização das ações de uma verdadeira“matilha” de colaboradores, cujos membros precisam ser lembrados que defender o “osso do líder” também significa atuar na defesa do próprio “osso”, para que a equação não resulte em zero, porque zero é equivalente a “alternância de poder”, ou para não perder a piada, também significa: “tchau, querida!”

O trabalho do“cão líder-dominante” (candidato) é circular pelos vários ambientes de influência da máquina pública, definindo o que dizer, quando dizer, o que fazer, quando fazer, quem faz, quem está dentro, quem está fora, onde vai, quem vai, aonde, quando e como os cães da matilha devem se comportar na sua presença e na sua ausência.

E para que essa“matilha”defenda a manutenção do “osso” é preciso que se crie um “ecossistema de ressonância positiva” em torno do candidato de situação, e por essa razão surgem alguns personagens que integram a matilha do cão líder, mas que ficam ocultos dos holofotes durante todo o período de mandato:

(1) O CARGO EM COMISSÃO (vulgo CC);

(2) O FUNÇÃO GRATIFICADA (vulgo FG);

(3) O PRESTADOR DE SERVIÇO AO MUNICÍPIO (via formas legais de contratação: licitação, carta convite, etc..),

(4) O MILITANTE/IDEALISTA/TORCEDOR-ELEITOR/IDIOTA-ÚTIL – apesar de serem tipos diferentes para fins de prática são colocados no mesmo balaio de gatos aqui neste texto. Pois, os quatro perfis tem em comum a mesma recusa de ver a realidade em torno do fanatismo em torno da ideologia ou culto a político populista que busca reeleição, e são incapazes de aceitarem ideias novas que são sejam chavões.

Estes quatro personagens que na maioria das vezes assumem a defesa do “osso” do líder da matilha, gourmetizando feitos da gestão, e são os que dão contornos (muitas vezes bestiais) na discussão política, responsáveis pela maioria das baboseiras ditas e feitas ao longo do processo eleitoral na tentativa de embelezar os feitos do candidato.

Uma rua com asfalto de péssima qualidade é transformado em feito de “engenharia japonesa”; a saúde municipal vira padrão SIRIO-LIBANÊS; obras propositalmente concentradas no período eleitoral são tocadas a ritmo que chegam a atrapalhar o cidadão em sua rotina; leis estúpidas são ignoradas (apitos, nomes de ruas), gastos com salários dos políticos e seus gabinetes viram tabus ignorados. Números são apresentados sem a devida confrontação com fontes que possam ser comparados, doações de patrimônio público a entidades privadas não são foco de debate, e se passa a sensação de que o cidadão vive na Suíça.

Para não apenas falar do executivo vide que as legislaturas (2016/2020) a exemplo da leopoldense 2016/2020 mais produziram leis para nomear ruas do que fiscalizar o executivo, como se viu no relatório legislativo produzido pelo Observatório Social de São Leopoldo entre 01/01/2017 e 30/09/2019, e apresentado em novembro de 2019.

E nesta situação é que entra a frase de NELSON RODRIGUES, em que os idiotas da matilha perdem a modéstia, e forma arrogante supervalorizam a gestão do líder para defender o “próprio osso” perdendo a noção do ridículo e da realidade.

Estes membros de matilha que hoje estão rua hasteando bandeiras do candidato à reeleição tem uma certeza: de que o que faz ficar horas a fio numa esquina distribuindo santinhos, é a certeza de que seu cão líder garantirá que sua matilha estará sempre segura, alimentada e bem organizada dentro de regras, limites e uma rotina estruturada feita para garantir o benefício de todos da matilha.

Como todo bom líder, o cão dominante exige seus privilégios, entre eles, comer primeiro, dormir no melhor lugar, andar na frente dos outros e definir a estrutura e rotina da casa. Fica com o melhor “osso”. O que é justo, na ótica da matilha.

Agora fica questão na mesa para o eleitor decidir domingo: o que é bom para a matilha é bom para a sociedade? É bom para sua cidade? Se a resposta for negativa, neste caso, o melhor a ser feito é tirar o “osso” do cão.

* https://www.meionorte.com/noticias/prefeita-inaugura-poste-de-energia-em-cidade-do-pi-e-vira-piada-na-web-381759

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