OpiniãoTecnologia & Inovação

O Brasil e o Desafio dos Semicondutores: Preparação ou Sucateamento?

Por: JOÃO DARZONE - ADVOGADO E PRESIDENTE DO OBSERVATÓRIO SOCIAL DE SÃO LEOPOLDO

A reversão da produção de semicondutores no mundo é, sem dúvida, um tema complexo e multifacetado que abrange diversas dimensões, incluindo aspectos geopolíticos, econômicos, tecnológicos e ambientais.

Esses componentes são fundamentais para a economia global, dada a sua aplicação essencial em uma ampla gama de produtos, que vão desde dispositivos móveis e computadores até veículos e equipamentos industriais. A compreensão desses aspectos é crucial para analisar o cenário atual e futuro da produção de semicondutores.

Historicamente, a produção de semicondutores tem sido concentrada em poucos países, com destaque para os Estados Unidos, Coreia do Sul, Japão e Taiwan. Recentemente, a China tem feito investimentos maciços para se estabelecer como uma potência na fabricação desses componentes.

Contudo, a pandemia de COVID-19 revelou vulnerabilidades significativas na cadeia de suprimentos global, causando escassez em diversos setores, desde a eletrônica de consumo até a indústria automobilística. Essa situação evidenciou a necessidade de uma reavaliação das estratégias de produção e suprimento.

A tentativa de reversão da produção de semicondutores, buscando sua descentralização e regionalização, visa mitigar os riscos associados à dependência de poucos países. Isso implica na construção de novas fábricas em locais estratégicos ao redor do mundo, inclusive com investimentos significativos nos Estados Unidos e na Europa.

Tal estratégia pretende evitar gargalos de suprimento e fortalecer a resiliência da cadeia global de suprimentos.

Houve uma resposta significativa por parte de diversos governos, que anunciaram planos e investimentos substanciais para aumentar a capacidade de produção de semicondutores dentro de seus territórios.

Nos Estados Unidos, o CHIPS Act representa um esforço para revitalizar a indústria nacional de semicondutores por meio de bilhões em subsídios e incentivos fiscais. Similarmente, a União Europeia introduziu a European Chips Act, visando duplicar sua fatia na produção global de semicondutores até 2030.

A reversão na produção de semicondutores não está isenta de desafios, que incluem os altos custos e a complexidade técnica de estabelecer e operar fábricas de última geração, além da necessidade de uma força de trabalho altamente qualificada e das preocupações ambientais relativas ao consumo de água e energia.

Apesar disso, a situação atual oferece oportunidades significativas para diversificar a cadeia de suprimentos, promover a inovação tecnológica e reforçar a segurança econômica e nacional.

No contexto brasileiro, a resposta aos desafios impostos pela nova dinâmica global da produção de semicondutores tem sido insuficiente. As esferas federal, estadual e municipal do governo brasileiro demonstram uma notável falta de preparação para enfrentar essas mudanças.

A decisão do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de reativar a Ceitec, uma estatal marcada por prejuízos e ineficiências desde sua criação em 2008, levanta sérias questões sobre a abordagem do Brasil em relação ao setor de tecnologia e inovação.

Apelidada pejorativamente de “fábrica do chip do boi” devido a seus erros comerciais e resultados financeiros desastrosos, a Ceitec absorveu cerca de R$ 790 milhões em investimentos, mas gerou um retorno irrisório de R$ 64,2 milhões, evidenciando uma gestão questionável e uma performance econômica lamentável.

Após uma tentativa frustrada de liquidação durante o governo Bolsonaro, que foi interrompida por entraves jurídicos, o atual governo opta por reativar uma empresa cujo histórico sugere uma profunda desconexão com as dinâmicas de mercado e inovação tecnológica.

Reverter a liquidação da Ceitec e planejar a contratação de novos funcionários, embora possa parecer um passo em direção à valorização da indústria nacional de semicondutores, na verdade, reflete uma visão nostálgica que ignora as lições de seu passado problemático. Em um momento em que o Brasil enfrenta desafios econômicos e tecnológicos significativos, a insistência em reviver uma estatal notoriamente ineficaz destaca uma estratégia equivocada.

A dependência de uma única estatal, especialmente uma com um histórico tão conturbado, é um plano limitado que não corresponde à complexidade e à escala dos desafios globais na indústria de semicondutores.

A inovação tecnológica e o desenvolvimento econômico exigem abordagens mais abrangentes e integradas, que incluam parcerias com o setor privado, investimentos em pesquisa e desenvolvimento e uma política industrial coesa que vá além da ressuscitação de entidades deficitárias.

A reativação da Ceitec, portanto, parece menos uma solução estratégica e mais um retrocesso, um movimento que suscita dúvidas sobre a capacidade do governo de liderar o país em direção a um futuro tecnológico promissor.

A ausência de políticas públicas robustas, de incentivos fiscais e de programas de formação de mão de obra especializada coloca o Brasil em uma posição vulnerável, ameaçando a competitividade de seu parque industrial.

A cada mês sem a criação de estratégias eficazes, aumentam as possibilidades de sucateamento dos parques industriais brasileiros, exacerbadas pela perda de produtividade devido aos altos preços dos bens de capital.

A situação demanda uma ação governamental urgente e coordenada para evitar um atraso ainda maior na corrida tecnológica global, assegurando um futuro econômico mais estável e próspero para o Brasil.


Referências:

COSTA, F. L. da. Impactos da regionalização da produção de semicondutores na economia global. São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 2022.

SILVA, A. R. da. Descentralização da produção de semicondutores: desafios e oportunidades. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, 2021.

MILLER, Chris. A guerra dos chips: A batalha pela tecnologia que move o mundo. Tradução de Roberto W. Nóbrega. 1. ed. Rio de Janeiro: Globo Livros, 2023. 480 p. ISBN 978-655987093.

PODER360. Governo Lula quer reativar estatal conhecida por só dar prejuízo. Disponível em: <https://www.poder360.com.br/tecnologia/governo-lula-quer-reativar-estatal-conhecida-por-so-dar-prejuizo/>. Acesso em: 06 mar. 2024.

Botão Voltar ao topo