ColaboradoresOpinião

O DIABO MORA NOS DETALHES: A AMEAÇA DO SIGILO BRANCO NO GABINETE DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

Por JOÃO DARZONE - PRESIDENTE DO OBSERVATÓRIO SOCIAL DE SÃO LEOPOLDO

A Portaria SE/PR/CISET/CC Nº 26 de 20/11/2023, publicada no DOU em 21 de novembro de 2023, que cria normas para o funcionamento e orientação da Rede de Serviços de Informação ao Cidadão no âmbito da Presidência e Vice-Presidência da República, estabelece um precedente perigoso ao criar a categoria de documentos “briefings”, definidos como registros, rascunhos, anotações ou informes produzidos ou coletados por servidores públicos em suas atividades, os quais seriam dispensáveis de guarda e disponibilidade, mesmo quando impressos.

Essa portaria abre uma brecha significativa no campo da transparência pública, pois permite que cada órgão edite seu próprio ato, criando categorias de registros produzidos pelos servidores e estabelecendo se devem ou não ser mostrados à sociedade. Isso equivale a uma forma de decretação de sigilo, sem utilizar explicitamente essa palavra.

Ao determinar que esses materiais não devem ser considerados como documentos, a portaria permite que eles transitem sem as regras que obrigam o Estado a dar publicidade aos seus atos, conforme definido pela Lei de Acesso à Informação (LAI). Essa manobra abre margem para que o princípio constitucional da publicidade seja enfraquecido, uma vez que permite a ocultação de informações relevantes para a sociedade.

Essa situação cria condições propícias para o chamado “sigilo branco” no Brasil, onde informações e documentos importantes podem ser mantidos fora do alcance do público, sem a devida justificativa legal. Isso compromete a transparência e o controle social sobre as ações governamentais, dificultando a fiscalização e a responsabilização dos agentes públicos.

A divulgação de informações sobre o planejamento prévio de ações governamentais é fundamental para que a sociedade compreenda como as autoridades tomam suas decisões.

Por exemplo, a exposição de estudos, pareceres técnicos e debates internos que embasam a formulação de políticas públicas permite que os cidadãos avaliem se as medidas adotadas são adequadas e se atendem ao interesse público.

Da mesma forma, a divulgação de atas de reuniões, trocas de e-mails e outros registros relacionados à tomada de decisão possibilita que a população acompanhe o processo decisório e identifique possíveis irregularidades ou influências indevidas.

Esses documentos de planejamento e deliberação prévia são equivalentes ao “making of” dos sets de filmagem, pois revelam os bastidores e o processo criativo por trás das ações governamentais.

Assim como os espectadores se interessam em saber como um filme foi produzido, os cidadãos têm o direito de conhecer como as políticas públicas que os afetam diretamente são concebidas e implementadas. Essas informações são de inegável interesse público e sua ocultação prejudica o exercício da cidadania e o controle social sobre os governantes.

Além disso, é importante ressaltar que esses documentos podem, em determinadas situações, servir como elementos de prova que indicam a boa ou má atuação das autoridades públicas no exercício de suas funções.

Registros de discussões, pareceres técnicos e outras informações produzidas durante o processo decisório podem revelar se as autoridades agiram de forma diligente, ética e em conformidade com a lei. A ausência desses documentos, por outro lado, pode dificultar a comprovação da lisura e da eficiência das ações governamentais, prejudicando a responsabilização dos agentes públicos em casos de irregularidades.

Ironicamente, o efeito deletério da referida portaria pode, ao fim e ao cabo, prejudicar as próprias autoridades que buscam se beneficiar da ocultação de informações. Em caso de algum ilícito, a falta de elementos comprobatórios da atuação adequada e diligente das autoridades pode levar à condenação de inocentes, uma vez que não haverá registros que corroborem sua versão dos fatos.

Assim, a portaria pode ter um efeito contrário ao pretendido, dificultando a defesa de agentes públicos idôneos e comprometendo a credibilidade das instituições.

A Portaria SE/PR/CISET/CC Nº 26 de 20/11/2023 pode parecer um mero detalhe burocrático, mas tem o potencial de causar sérios danos à transparência pública e à responsabilização dos agentes públicos. Ao abrir brechas para a ocultação de informações relevantes, a portaria compromete a confiança da população nas instituições e dificulta a implementação de políticas públicas efetivas.

É fundamental que a sociedade e os órgãos de controle estejam atentos a esse tipo de manobra e atuem para garantir que o princípio da publicidade seja respeitado e que a transparência seja a regra na administração pública brasileira. Somente assim será possível fortalecer a democracia, combater a corrupção e promover o bom uso dos recursos públicos.

Afinal, como diz o famoso provérbio, “o diabo mora nos detalhes”, e são justamente esses detalhes aparentemente insignificantes da Portaria SE/PR/CISET/CC Nº 26 que podem causar os maiores problemas para a transparência e a integridade da administração pública brasileira.

Portaria SE_PR_CISET_CC N¦ 26 DE 20_11_2023 – Federal – LegisWeb

Botão Voltar ao topo