“Quem matou a fiscalização dos diques em São Leopoldo?” Essa pergunta ecoa na mente dos cidadãos leopoldenses, tal qual a icônica frase “Quem matou Odete Roitman?” Ecoava na mente dos telespectadores brasileiros durante a exibição da novela “Vale Tudo” em 1988.
Assim como o misterioso assassinato da vilã Odete Roitman, interpretada por Beatriz Segall, gerou comoção nacional e se tornou um dos maiores mistérios da teledramaturgia brasileira, o “assassinato” da fiscalização dos diques de São Leopoldo, supostamente pelas mãos de vereadores como Iara Cardoso e Nestor Schwertner, se tornou um mistério que intriga e indigna a população local.
A diferença é que, enquanto a revelação do assassino de Odete Roitman trouxe alívio e satisfação ao público no último capítulo da novela, a descoberta dos responsáveis pelo “assassinato” da fiscalização dos diques traz revolta e exige responsabilização, especialmente após as trágicas enchentes que assolaram a cidade em 2024.
A Câmara Municipal de São Leopoldo, ao longo dos anos, não demonstrou preocupação em fiscalizar a nomeação e atuação de “secretários-pipoca” em cargos estratégicos da prefeitura, como nas áreas de inteligência, saúde, educação e secretaria geral de governo, por exemplo.
O termo “secretário-pipoca” é uma expressão informal e pejorativa usada para se referir a um secretário de governo que transita por diversas secretarias ou pastas ao longo de sua carreira, sem necessariamente se aprofundar ou se especializar em nenhuma área específica.
Esse tipo de secretário costuma ser nomeado e exonerado de diferentes cargos com frequência, muitas vezes em um curto espaço de tempo, sem chegar a desenvolver um trabalho consistente ou deixar um legado significativo em nenhuma das pastas por onde passou. (AH, QUE O LEITOR LEMBROU DE MUITOS, NÉ?!)
A analogia com a pipoca se dá justamente pela ideia de “pular” de uma secretaria para outra, assim como os grãos de milho estourando e pulando rapidamente na panela.
O termo sugere que o secretário não permanece tempo suficiente em uma pasta para implementar políticas públicas efetivas, resolver problemas estruturais ou fazer mudanças duradouras, preocupando-se mais com a ocupação do cargo em si do que com o trabalho a ser realizado.
Essa omissão da Câmara Municipal ficou evidente na questão da manutenção dos diques de proteção contra cheias em São Leopoldo. Documentos obtidos no site da Câmara revelam que alguns vereadores falharam em seu dever de fiscalizar adequadamente a conservação desse sistema tão importante para a segurança da cidade. Pedidos de informação e a criação de uma comissão especial para acompanhar o tema foram ignorados ou obstruídos pela Casa ao longo dos anos.
As trágicas inundações ocorridas em maio de 2024, também são a consequência direta dessa falta de fiscalização e cobrança por parte dos representantes do Legislativo municipal.
O prefeito Vanazzi admitiu publicamente em fevereiro de 2019 que a situação dos diques era “dramática” e colocava em risco cerca de 80 mil pessoas. No entanto, pedidos de informação e a criação de uma comissão especial para acompanhar o tema, propostos por vereadores, foram sistematicamente obstruídos ou ignorados pela Câmara nos anos seguintes.
Observe-se a cronologia dos fatos que podem ser checados no site da Câmara Municipal de São Leopoldo, e são narrados conforme as matérias da época (se as providencias narradas foram tomadas não há registro no sistema de informações da Câmara ou do Executivo ou se há não são de fácil localização no sistema):
1. No dia 06 de fevereiro de 2019, a vereadora Iara Teresa Cardoso (PDT), sob o Expediente nº 3220/2019 apresentou o Requerimento nº 094/2019, com o seguinte objeto: “Solicita ao Prefeito Municipal de São Leopoldo, laudo técnico para avaliação da segurança nas estruturas do Dique existente nas margens do Rio dos Sinos no Município de São Leopoldo, que faz parte da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos”.
2. Na sexta-feira, 08 de fevereiro de 2019, o prefeito Ary Vanazzi coordenou juntamente com o secretário geral de governo Marcel Frison a reunião do Grupo de Trabalho (GT) que atua na atenção ao Sistema de Proteção Contra Cheias de São Leopoldo, conhecido como diques. Formado por diversas secretarias e órgãos de governo. O objetivo é intensificar um conjunto de ações do município e cobrar a responsabilidade do Governo Federal na manutenção da área que envolve diretamente a vida de 80 mil pessoas.
3. No dia 08 de fevereiro de 2019, o Vereador Arthur Schmidt, líder de sua bancada (MDB), sob o Expediente nº 3227/2019, apresenta o Requerimento nº 095/2019, com o seguinte objeto: “o presente requerimento tem por objetivo a constituição de Comissão Especial destinada a realizar acompanhamento e estudo que diga sobre a atual situação de conservação dos Diques a partir de vistorias e embasado em laudos técnicos a serem produzidos por profissionais habilitados com a meta de apresentar a sociedade um panorama real de tais condições bem como, elaborar propostas e encaminhamentos a serem adotados pelo município para que seja garantida a segurança dos moradores e as assertivas medidas que nos conduzam a redução das possibilidades de um sinistro”. A referida solicitação consta, no site da Câmara Municipal, como apreciada e aprovada pelo Plenário da Casa em 21 de fevereiro de 2019.
4. No dia 14 de fevereiro de 2019, a vereadora Iara Teresa Cardoso (PDT), apresentou por meio do Expediente nº 3313, o Pedido de Informação nº 132/2019, tendo o seguinte objeto: “O presente expediente objetiva requerer informações pontuais sobre os diques desta cidade”.
5. No dia 15 de fevereiro de 2019, a mesma, protocolou pedido de arquivamento do Expediente nº 3313, no Pedido de Informação nº 132/2019.
6. No dia 14 de fevereiro de 2019, a vereadora Iara Teresa Cardoso (PDT), apresentou por meio do Expediente nº 3315, o Pedido de Informação nº 133/2019, tendo o seguinte objeto: “O presente expediente objetiva requerer informações pontuais sobre os diques desta cidade”.
7. No dia 15 de fevereiro de 2019, a mesma, protocolou pedido de arquivamento do Expediente nº 3315, no Pedido de Informação nº 133/2019.
8. No dia 14 de fevereiro de 2019, a vereadora Iara Teresa Cardoso (PDT), apresentou por meio do Expediente nº 3317, o Pedido de Informação nº 134/2019, tendo o seguinte objeto: “O presente expediente objetiva requerer informações pontuais sobre os diques desta cidade”.
9. Quanto mencionado Expediente nº 3317, Pedido de Informação nº 134/2019, nada mais consta na árvore do processo legislativo referente a ele.
10. Em 21 de fevereiro de 2019, o secretário geral de governo coordenou nova reunião sobre a situação do Sistema de Proteção Contra Enchentes do Rio dos Sinos. Conforme matéria disponibilizada no sítio da Prefeitura na internet: Para o secretário Marcel Frison, é necessário criar políticas públicas que ofereçam soluções habitacionais para as famílias que vivem nas áreas dos diques, porém não há previsão para que isso ocorra. “Há a necessidade e um planejamento integrado, principalmente nas questões que envolvem o desenvolvimento urbano, fiscalização das obras, ocupação de fundos de vale e áreas de preservação ambiental”, declarou o secretário.
11. No dia 12 de março de 2019, após denúncia, a Defesa Civil, ao vistoriar o local, constatou um dano gravíssimo em um trecho de Sistema de Proteção Contra as Cheias. Após lavrar auto de constatação, a Defesa Civil encaminhou o ocorrido para a Procuradoria Geral do Município (PGM). Então a prefeitura comunicou o Ministério Público sobre a situação verificada.
Também já haviam sido comunicados a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMMAM), os integrantes do Grupo de Trabalho dos diques e o geólogo Antônio Carlos Genske, diretor de Contenção de Cheias do Rio dos Sinos, da Secretaria Geral de Governo (SGG). Formado por técnicos de diversas secretarias municipais, o Grupo de Trabalho atuava na atenção ao Sistema de Proteção Contra Cheias de São Leopoldo – diques.
As equipes mantinham reuniões e vistorias constantes que serviriam para estruturar um laudo técnico para apontar a degradação do sistema, especialmente, após o encerramento por parte do Governo Federal do aporte de recursos para ações de proteção e manutenção.
Nas primeiras reuniões, o GT apresentou ao secretário Geral de Governo, Marcel Frison, um conjunto de situações e medidas necessárias a garantir a eficácia do sistema dos diques, entre eles evitar o trânsito de veículos pesados, o combate ao descarte irregular de lixo. A iniciativa pretendia sensibilizar o Governo Federal para a necessidade de recebimento de recursos para a manutenção que não estavam mais sendo realizadas.
12. No dia 22 de março de 2019, uma “Força tarefa vistoriou os Diques de São Leopoldo “Na sexta-feira, 22 de março, uma força tarefa da Prefeitura percorreu os 22 quilômetros do Sistema de Proteção Contra Cheias de São Leopoldo, conhecido como diques. Coordenado pelo secretário Geral de Governo, Marcel Frison, o grupo foi formado pelo diretor de Contenção de Cheias do Rio dos Sinos, Antônio Carlos Genske, e por integrantes da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Guarda Civil Municipal, Superintendência de Comunicação. Foi feita uma varredura para identificar as ações mais urgentes para a manutenção da estrutura. Além de densa vegetação na área de escoamento da água em caso de cheia do Rio dos Sinos, as equipes encontraram escavações inadequadas, ocupações irregulares, lixo doméstico, resto de podas, animais mortos, pneus, resíduos de obras e rejeitos industriais depositados irregularmente ao longo de todo o sistema”.
O secretário Marcel Frison, se mostrou alarmado com a situação e destacou que a prefeitura mais medidas emergenciais para melhorar as condições dos diques. “Sabemos das necessidades mais imediatas e já estamos produzindo um diagnóstico detalhado de todo o sistema. Há a necessidade de um planejamento integrado, principalmente nas questões que envolvem o desenvolvimento urbano, fiscalização das obras, ocupação de fundos de vale e áreas de preservação ambiental. A densa vegetação é um dos principais problemas. O grande número de árvores e arbustos pode causar erosões e infiltrações e reduz a vazão da água quando o rio fica muito cheio”, apontou.
Na próxima semana, serão iniciados reparos em locais que sofreram escavações, ou que possuem algum ponto mais vulnerável. OBRAS IRREGULARES. Outro aspecto relevante da degradação do sistema refere-se à ocupação interna das áreas protegidas, cujo sistema de canais e bacias de amortecimento existentes estão sendo escavados ou aterrados para fins de construções. Identificou-se a necessidade de frear o aumento de ocupação nestas áreas, pela necessidade da presença dos canais e reservatórios de amortecimentos existentes. Na quinta-feira (21), equipes de fiscalização da Prefeitura e da Defesa Civil flagraram uma construção irregular que comprometeria gravemente o talude que fica atrás da Rodoviária.
A secretaria Municipal de Habitação (Semhab) agiu rapidamente e determinou a imediata suspensão da obra. “Ao verificarmos a situação, determinamos o cancelamento imediato da obra que não tinha licença. Também removemos o material que seria usado na construção e iniciamos a imediata recomposição do talude do dique como forma de não fragilizar a estrutura”, esclareceu o titular da (Semhab), Nelson Spolaor.
GRUPO DE TRABALHO
A Prefeitura de São Leopoldo mantém um Grupo de Trabalho (GT) específico para cuidar da situação do sistema de Proteção Contra Cheias.
Formado por diversas secretarias e órgãos de governo, o GT se reúne semanalmente com o objetivo de intensificar um conjunto de ações do município e cobrar a responsabilidade do Governo Federal na manutenção da área que envolve diretamente a vida de 80 mil pessoas AÇÕES JÁ REALIZADAS PELA PREFEITURA A Prefeitura entrou com um processo, em 2017, para que a União custeie, mensalmente, todas as despesas de manutenção.
O processo ainda tramita na Justiça, aguardando julgamento da apelação do Município que perdeu em primeira instancia. O Município também exige o ressarcimento pelos serviços executados quando não havia convênio vigente. De acordo com o Serviço Municipal de Água e Esgoto (SEMAE), a estimativa de custo para realizar a manutenção necessária para a eficiência dos diques é de R$ 3,5 milhões/ano.
13.No dia 27 de março de 2019, a Câmara Municipal, realizou Audiência Pública da Comissão Pró-Diques, dirigida pelos membros da Comissão, a saber, Ver. Perci Pereira (MDB), Presidente da Comissão, Ver. Adão Rambor (PSB), Vice-Presidente da Comissão, Vereadora Iara Teresa Cardoso (PDT), Relatora da Comissão e, Ver. Eduardo Moraes (PT), membro titular da Comissão.
Comissão Especial foi devidamente constituída, com prazo de 120 dias para conclusão dos trabalhos, conforme o Regimento Interno. No entanto, o prazo se extinguiu sem que houvesse a conclusão dos trabalhos ou sequer um único relatório apresentado. Coube então ao Presidente da Câmara extinguir a comissão de pleno direito, já que o prazo é improrrogável. Ou seja, a própria Câmara não deu sequência aos trabalhos da Comissão Especial que ela mesma havia aprovado, deixando-a ser extinta sem qualquer resultado prático.
14.No dia 23 de abril de 2019, o Vereador Eduardo Moraes (PT), apresentou por meio do Expediente nº 3715, o Pedido de Providência nº 1884/2019, tendo o seguinte objeto: “limpeza dos diques da Vila Brasília a Vila Glória, da Escola Victor Becker até a Náutica, peço com urgência pois há passagem de crianças nestes locais”.
15.No dia 30 de julho de 2019, pelo ofício nº 501/2019, o Presidente do Legislativo deu ciência ao Prefeito Municipal da aprovação do pedido de providência de nº 1884/2019, nos termos supramencionados.
16.Em 20 de fevereiro de 2020, sob o Expediente nº 5312/2020, Requerimento nº 130/2020, o Vereador Perci Pereira (MDB), apresentou requerimento para que fosse submetido ao Plenário da Câmara Municipal, solicitação para que pelo devido instrumento fosse instituída como Comissão Permanente do Poder Legislativo Municipal a Comissão PróDiques, com objetivo de tornar o acompanhamento da situação do sistema de proteção contra enchentes pauta permanente de atribuição dos parlamentares.
17.Em 12 de maio de 2020, sob a relatoria do Vereador Nestor Pedro Schwertner (PT), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), declarou a Inconstitucionalidade da proposição por maioria dos votos da Comissão, sendo: Favoráveis a Inconstitucionalidade, o Relator Ver, Nestor Pedro Schwertner (PT), Ver, Ary Moura (PDT) e Edite Lisboa (PSB); e contrário a Inconstitucionalidade, o Ver. Arthur Schmidt (MDB). O relator Nestor Schwertner alegou que a comissão especial anterior já estava extinta, ignorando a importância do tema. Ou seja, perdeu-se mais uma chance de criar um mecanismo permanente de fiscalização dos diques
18.Em 16 de maio de 2020, o Juiz Federal, Nórton Luís Benites, da 1ª Vara Federal de Novo Hamburgo, proferiu sentença (em processo mencionado no item 12, supra), onde julga improcedentes os pedidos formulados na peça inicial, já mencionada, em artigo anterior.
Apesar da perplexidade compartilhada entre o Poder Executivo e o PDT, partido que integrava a base do governo Vanazzi na Câmara Municipal, presidida por Júlio Galperim (2017-2018) e Ary Moura (2019-2020, falecido), diante do estado precário do sistema de proteção de cheias de São Leopoldo, não houve prestação de contas por parte do Executivo ao Legislativo sobre a efetiva execução das medidas anunciadas pelos secretários Marcel Frison e Nelson Spolaor à imprensa.
A trajetória de Marcel Frison, marcada por sua atuação como “secretário-pipoca-supremo”, transitando por diversas pastas como Secretaria Geral, de Governo, da Saúde e da Cultura, sem entregar resultados significativos em nenhuma delas, já sinalizava que qualquer iniciativa sob sua liderança, inclusive na área de proteção contra enchentes, estaria fadada ao fracasso, como ficou evidente em sua gestão à frente da Secretaria de Saúde.
Logo, o nome Frison na condição de executor de tarefas complexas exigiria de qualquer indivíduo sério o dobro de atenção, ainda mais da Câmara Municipal de São Leopoldo, que deveria ter redobrado a fiscalização sobre suas ações.
Nelson Spolaor, outro conhecido “secretário-pipoca” por ter ocupado cargos como Secretário da Habitação e Secretário Geral de Governo em São Leopoldo, carrega consigo a pecha de “ex-prefeito corrido de Sapiranga”. Agora, ele tem a responsabilidade de mudar-se para São Leopoldo e concorrer ao cargo de prefeito nas próximas eleições.
No entanto, sua candidatura levanta dúvidas sobre sua capacidade de fixar domicílio na cidade em 2025, dado o atual cenário de escassez de imóveis disponíveis para locação, agravado pelas enchentes que assolaram o município.
Essa situação pode se tornar um obstáculo significativo para sua elegibilidade e para a construção de uma base eleitoral sólida, levantando questionamentos sobre sua real capacidade de governar a cidade e enfrentar os desafios decorrentes das inundações, competência esta que em tempos festivos, não era questionada, mas em tempos apocalípticos fica em xeque, pois a única ação efetiva de Spolaor desde 03.05.2024 é posar para fotos para as redes sociais, em campanha eleitoral desavergonhada e descarada.
Embora a situação alarmante dos diques tenha sido reconhecida por ambos os poderes, faltou transparência e comunicação oficial acerca das ações concretas adotadas para solucionar o problema, deixando a população e os vereadores sem informações precisas sobre o andamento dos trabalhos de recuperação e manutenção do sistema de proteção contra enchentes.
Em meio ao mar de omissões e negligências que marcaram a atuação da Câmara Municipal de São Leopoldo em relação à fiscalização e manutenção do sistema de proteção contra cheias, conhecido como diques, um nome se destaca: a vereadora Iara Teresa Cardoso (PDT). Ela foi a única autoridade que pode ter recebido respostas concretas sobre a situação dos diques, mas se as recebeu, não as publicizou.
Como se pode ver em 14 de fevereiro de 2019, Iara Cardoso apresentou uma série de Pedidos de Informação (132, 133 e 134/2019) com perguntas objetivas sobre a situação dos diques. No entanto, no dia seguinte, de forma intrigante, a vereadora solicitou o arquivamento dos pedidos, sem maiores explicações. O que teria motivado essa súbita desistência? Até o momento, não há respostas.
Enquanto isso, todas as tentativas de se criar comissões para aferir o real estado do sistema de proteção contra cheias foram sistematicamente obstaculizadas pelos vereadores. O vereador Arthur Schmidt (MDB), por exemplo, chegou a propor a criação de uma Comissão Especial para acompanhar o tema (REQ 095/2019), iniciativa aprovada pelo plenário em 21 de fevereiro de 2019. No entanto, a comissão nunca chegou a apresentar qualquer relatório ou resultado concreto de seus trabalhos.
Já em 2020, o vereador Perci Pereira (MDB) apresentou um requerimento (REQ 130/2020) para transformar a Comissão Pró-Diques em permanente, mas a proposta foi declarada inconstitucional pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), em um parecer relatado pelo vereador Nestor Pedro Schwertner (PT) e aprovado por maioria. Chama a atenção que o único voto contrário tenha sido justamente do vereador Arthur Schmidt, autor da proposta de criação da comissão especial em 2019.
Diante desses fatos, fica a nítida impressão de que havia uma intenção deliberada de que a narrativa para apontar os problemas dos diques ficasse concentrada no poder executivo, especialmente nas mãos do secretário geral de governo Marcel Frison e do secretário de Habitação Nelson Spolaor. Homens que nunca apresentaram resultados palpáveis em qualquer pasta que tiveram cargos, os ditos secretários-pipoca.
Ambos chegaram a fazer declarações alarmantes sobre a situação dos diques em 2019, apontando a necessidade de medidas emergenciais e cobrando recursos federais para a manutenção do sistema. Mas jamais o Poder Executivo prestou contas das medidas que executou ou teve qualquer inquirição pela Câmara de Vereadores.
Chama a atenção que, agora em 24.05.2024, após a tragédia consumada, alguns dos vereadores que se omitiram no passado venham propor a criação de uma Frente Parlamentar de Proteção e Defesa Civil para Prevenção de Cheias e Inundações (REQ 138/2024).
Entre os signatários estão justamente Iara Cardoso, que engavetou seus próprios pedidos de informação em 2019, e Nestor Schwertner, que como relator na CCJ considerou inconstitucional a proposta de comissão permanente de Perci Pereira em 2020. Ambos agora se mostram preocupados com um problema que ajudaram a agravar por sua inação.
Na justificativa do requerimento, os vereadores afirmam que a frente buscará “estudos e soluções modernas” e “fiscalizar as obras nos diques bem como ouvir especialistas na área”.
Ora, não era exatamente isso que alguns de seus pares tentaram fazer anos atrás e foram impedidos pela maioria da Câmara? Por que só agora, depois que o Rio dos Sinos cobriu boa parte da cidade, esses vereadores se dão conta da importância de prevenir enchentes? Fica a impressão de que a iniciativa é mais uma tentativa de criar uma cortina de fumaça para encobrir a própria responsabilidade do que um esforço genuíno de enfrentar o problema.
Se a Frente Parlamentar proposta tivesse sido criada em 2019, quando os riscos já eram conhecidos e alertados, talvez as enchentes de 2024 pudessem ter sido evitadas ou mitigadas. Mas a maioria dos vereadores preferiu fechar os olhos e tapar os ouvidos para os apelos de seus colegas mais diligentes.
Agora, diante da comoção popular e da pressão da opinião pública, correm para criar um fórum que terá pouco ou nenhum efeito prático, já que o estrago está feito. É lamentável constatar que, para uma parte significativa de nossos representantes eleitos, a prevenção nunca é prioridade. Só se lembram de agir quando a tragédia bate à porta.
A postura de Iara Cardoso e Nestor Schwertner em 2019 e 2020, quando eram base do governo Vanazzi, lembra a famosa pergunta “Quem matou Odete Roitman?”. Assim como na novela “Vale Tudo”, onde a identidade do assassino da vilã Odete Roitman foi um mistério que gerou comoção nacional, a questão sobre quem são os responsáveis pela falta de fiscalização das manutenção dos diques em São Leopoldo permanece sem resposta.
Nesse tempo altamente voraz no cenário político, é primário o valor da informação para esclarecer questões de interesse público. A tecnologia levou a uma diversificação sem precedentes da informação, que satura todos os mortais a ponto de colocar em dúvida a capacidade de absorção de uma notícia.
Na democracia política, não a da linguagem política, existe o pensamento oficial de que tudo o que é informado com caracteres de implicância é uma mentira para enlamear currículos, desvirtuar ações e desestabilizar a pinacoteca dos heróis que rodeiam o poder governante.
Foi exatamente assim que agiram Iara Cardoso e Nestor Schwertner ao se omitirem diante de todas as situações que visavam obter informações sobre a manutenção do sistema de diques em São Leopoldo, “matando” politicamente os mensageiros do problema, como os vereadores Arthur Schmidt (então oposição) e Perci Pereira (MDB).
A tragédia das enchentes de 2024 em São Leopoldo expôs não apenas as falhas do Executivo na manutenção do sistema de proteção contra cheias, mas também a grave omissão da Câmara Municipal e de parte de seus vereadores na fiscalização desse tema vital para a segurança da população.
Vereadores como Iara Cardoso, Ary Moura (falecido), Nestor Pedro Schwertner e Edite Lisboa, que em 2019 e 2020 eram base do governo Vanazzi, agiram como verdadeiros “assassinos de Odete Roitman” ao se omitirem diante de todas as situações que visavam obter informações sobre as condições dos diques, ignorando ou punindo colegas que tentaram trazer o problema à tona, como os vereadores Arthur Schmidt (então oposição) e Perci Pereira (MDB).
Se Iara Cardoso recebeu respostas da prefeitura aos seus pedidos de informação em 2019, é seu dever moral trazê-las a público. Se a CCJ liderada por Nestor Schwertner não tivesse rejeitado a proposta de comissão permanente de Perci Pereira em 2020, talvez a tragédia pudesse ter sido evitada ou mitigada.
Esses fatos deixam claro que a cultura da negligência e da irresponsabilidade na política leopoldense tem muitos cúmplices e precisa ser combatida com vigor se quisermos construir uma cidade mais segura e democrática.
Cabe agora à população cobrar explicações de seus representantes e, nas próximas eleições, escolher candidatos comprometidos com a fiscalização e a solução dos problemas que afetam a comunidade, não com a ocultação deles. Só assim poderemos honrar a memória das vítimas das enchentes e garantir que tragédias como essa não se repitam no futuro.
Mas uma coisa é certa: se o Poder Judiciário falhar em responsabilizar aqueles que se omitiram na manutenção e fiscalização do sistema de proteção contra cheias de São Leopoldo, cabe à população punir nas urnas esses verdadeiros “assassinos de Odete Roitman” da vida real.
Caso contrário, essas tragédias continuarão se repetindo, enquanto a cidade sofre com a praga da proliferação de secretários-pipoca incompetentes em cargos estratégicos, colocando em risco a vida e o bem-estar dos cidadãos.
É fundamental que a população se mobilize e exija justiça, tanto nas cortes quanto nas cabines de votação, para garantir que os responsáveis por essa negligência criminosa sejam devidamente punidos e afastados do poder.