Em uma plataforma que retira 150 mil barris de petróleo e 8 milhões de metros cúbicos de gás natural por dia de uma profundidade de mais de 7 mil metros na camada pré-sal, um número desafia os mais de 100 profissionais a bordo diariamente: o que fazer nas 12 horas de descanso?
Adaptada a partir de um navio petroleiro, a plataforma FPSO Cidade de Itaguaí é um gigante de mais de 300 metros de comprimento. Estruturas como academia, sala de TV e até um fumódromo se concentram na popa do navio, em uma ala chamada de casario por concentrar os quartos, restaurante e outros espaços de convivência em que não é necessário usar os equipamentos de proteção individual.
A uma distância de 240 quilômetros da costa do estado do Rio de Janeiro, o contato com a família, hoje facilitado pela internet, depende dos espaços com wi-fi liberado e do telefone via satélite, que tem um limite diário de 15 minutos por pessoa. Engenheiro químico da Petrobras, Luiz Le Grady, de 34 anos, usa um tablet para conversas em vídeo com a mulher e o filho de 1 ano e 5 meses, que moram em São Paulo. Quando termina a ligação, o contato é com a outra família, com quem joga videogame, conversa sobre a vida e acompanha os resultados do futebol.
“O clima é bem caseiro e tem que ser, né? A gente cria muita amizade a bordo, porque passa a metade da nossa vida aqui”, diz ele, que já trabalha embarcado há oito anos e também aproveita a internet para, vez ou outra, saber o rendimento de seus investimentos.
Churrasco todo domingo
Esse clima caseiro tem churrasco todo domingo, mas a cerveja é sem álcool. Duas vezes por semana o cardápio tem rodízio de massas e pizzas; quarta e domingo é realizado culto evangélico com dois pastores que são também montadores de andaimes; e, uma vez a cada 15 dias, uma festa conjunta comemora mais um ano de vida dos aniversariantes do mês, com bolo, salgadinho e refrigerante. Toda a vida social da plataforma ocorre sobre um tanque que armazena até 1,6 milhão de barris de petróleo e é abastecida por um gerador de energia elétrica a gás que alimentaria uma cidade de 250 mil habitantes.
Luiz é um dos poucos funcionários da Petrobras a bordo e sua função é fiscalizar a prestação de serviços da Modec, empresa japonesa afretada que opera a plataforma, que é a maior produtora de gás natural do país. A produção na plataforma começou em julho de 2015 e se dá em consórcio entre a Petrobras (65%), a Shell (25%) e a Petrogal (10%).
A operadora de produção Bruna Rangel Pacheco, de 29 anos, faz parte da minoria feminina a bordo e é funcionária da Modec. Seu trabalho, conta, é pesado, mas ela não se imagina em outra profissão: “Eu sou de Macaé e sempre vi meu pai trabalhar offshore. Já no ensino médio, eu sempre tive essa referência, sempre quis trabalhar nessa área”, diz ela, que acredita que o trabalho em alto mar não é para qualquer um. “Tem um pouco de aventura e é hostil se você for pensar nos riscos. Tem também a distância da família, o confinamento”.
Seus principais passatempos são se exercitar na academia, assistir filmes e ler livros religiosos, já que é presbiteriana. “A academia, para mim, é uma necessidade, porque sempre gostei de extravasar me exercitando. Apesar de estar me esforçando fisicamente, eu relaxo na academia”.
Fazer exercícios também é fundamental para o técnico de segurança no trabalho da Modec Lucas de Azevedo, de 28 anos. Ele está embarcado há três anos e malha para perder os 11 quilos que ganhou com a rotina de isolamento em uma plataforma onde refrigerantes e doces estão disponíveis 24 horas por dia. “Aqui a gente come muito. Se não for para a academia, está morto”, brinca. Para ele, a grande dificuldade é a passagem de datas comemorativas, como o Natal e o Ano Novo. “A ceia aqui é muito boa, com camarão, lagosta. Nunca comi tão bem. Mesmo assim, é a pior parte. Sinto muita falta da minha mãe e dos meus irmãos, principalmente no meu aniversário”.
Estrangeiros a bordo
O morador de Nova Friburgo, na região serrana do Rio de Janeiro, se orgulha de ter superado a barreira que o impedia de conseguir um trabalho offshore: falar inglês. “Em 2014, eu decidi que me dedicaria a isso, peguei todas as minhas reservas e fui para o Canadá. Passei oito meses estudando inglês e, logo quando voltei, consegui o emprego”, conta. Seu chefe direto na plataforma é um sul-africano, com quem Lucas só conversa em inglês, muitas vezes traduzindo as orientações para outros funcionários.
Estrangeiros são 15% dos trabalhadores a bordo, uma babel que se comunica em inglês e português, mas tem origens tão diferentes quanto Filipinas, Índia, Itália, Cingapura, Ucrânia e Polônia. “A troca de culturas aqui é muito grande. Para trabalhar aqui, tem que aprender a respeitar coisas que não são do nosso costume”.
Academia, TV via satélite e comunicação por vídeo com a família são confortos que o gerente-geral da unidade de Exploração e Produção da Petrobras para a Bacia de Santos, Osvaldo Kawakami, nem sonhou em encontrar a bordo quando trabalhou embarcado, no início dos anos 80. Com 39 anos de Petrobras, ele lembra do tempo em que as horas vagas eram ocupadas com baralho e pescaria.
“Se eu fosse comparar, antes era um hotel de uma estrela, e hoje é de cinco”, diz ele. “Não tinha restrição à pesca, e o que a gente fazia era pescar, jogar baralho, dama, xadrez. Hoje, eles jogam videogame”.
Crescimento previsto
Kawakami chefia a produção de uma área que deve praticamente dobrar a quantidade de barris de petróleo retirada diariamente do subsolo marinho. Em 2017, está prevista uma extração de 1,102 milhão de barris de petróleo por dia, que deve saltar para 2,105 milhões em 2021. A parcela da Petrobras nessa produção deve chegar a 1,731 milhão de barris por dia, mais da metade dos 2,8 milhões que a estatal deve produzir em todos os seus campos em 2021.
“O gerenciamento de algo que está crescendo é um gerenciamento gostoso, mas a complexidade fica cada vez maior”, diz Kawakami, que é responsável por uma área que vai de Cabo Frio a Florianópolis. Sua unidade será dividida em duas para aumentar a eficiência. Hoje, a Bacia de Campos tem três unidades de operação, e a de Santos apenas uma.
Das 11 plataformas que extraem petróleo do pré-sal na Bacia de Santos, sete estão no Campo de Lula, o mais produtivo da Petrobras, com 799 mil barris por dia extraídos em setembro. O segundo mais produtivo, Sapinhoá, extraiu 264 mil barris por dia no mesmo mês.
Esse volume de petróleo é produzido sob gerência de Marco Guerra, responsável pela exploração e produção no Campo de Lula. Guerra entrou na Petrobras como técnico e, depois de trabalhar offshore, se formou engenheiro e prestou novo concurso público. Seu trabalho hoje é em terra na maior parte do tempo, onde se reúne por videoconferência com cada uma das plataformas que monitora.
“A rotina dos trabalhadores mudou muito. Costumávamos jogar muito carteado, totó, sinuca. A angústia toda era saber como estava o mundo, como estava a família”, diz ele, que também se recorda da sensação de uma noite silenciosa em alto-mar. “A sensação de calma e tranquilidade é absurda. Eu sempre digo que em nenhum lugar do mundo vi um pôr do sol ou um nascer do sol como o de uma plataforma”.