Produtores rurais e empresas autuados pela Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (Seapdr) por quebrarem normas do uso dos agrotóxicos hormonais têm comparecido em audiências e aceito acordos com o Ministério Público do Rio Grande do Sul. Nos últimos meses, as audiências ocorreram em diferentes municípios como Bagé, Jaguari, Rosário do Sul, São Borja e Vacaria.
As autuações ocorreram a partir do descumprimento de instruções normativas publicadas pela Seapdr, a partir de 2019, regulamentando a utilização de herbicidas hormonais durante o plantio e a comercialização do produto em 24 municípios gaúchos. De lá para cá, equipes de fiscalização flagraram diversos casos de aplicações irregulares dos herbicidas hormonais, especialmente o 2,4-D, e prejuízos aos cultivos mais sensíveis.
Na Promotoria de Justiça Especializada de São Borja, foram firmados Acordos de Não Persecução Penal (ANPPs) relacionados a crimes contra o meio ambiente pelo uso irregular de agrotóxicos hormonais, que resultaram em R$ 440 mil reais em multas destinadas ao Fundo de Recuperação dos Bens Lesados e Conta das Penas Alternativas da Comarca de São Borja, no primeiro semestre de 2021.
De acordo com a promotora Melissa Marchi Juchen, foram mais de 95 autuações da Seapdr em irregularidades envolvendo produtores rurais e empresas que comercializam agrotóxicos, em uma ação estruturada de natureza interinstitucional, iniciativa conjunta da Promotoria de Justiça de Meio Ambiente de Porto Alegre e Seapdr, com a participação do Instituto Geral de Perícias.
“As ações visam coibir o uso, comercialização e recomendação irregulares dos agrotóxicos hormonais, entre eles o 2,4-D, em razão das derivas com significativos prejuízos às culturas sensíveis, tais como videira, nogueira, mandioca e oliveira”, destaca a promotora.
O fiscal estadual agropecuário Juliano Ritter, que participou das audiências, relata que ocorreram diversas palestras de orientação para produtores, comerciantes e empresas de aviação sobre as instruções normativas e as exigências legais.
“O que atualmente se observa é que as empresas estão muito atentas às regras e optando inclusive por não realizar a venda se o produtor não atender a todas as exigências. E os produtores também estão conscientes de suas responsabilidades, buscando cursos para seus aplicadores, auxílio para cadastrar os aplicadores e, principalmente, mais atentos quanto à aplicação de agrotóxicos”, constata Ritter.
Em Jaguari, houve cerca de 20 autuações realizadas pelos fiscais da Seapdr e todos os produtores foram notificados, com os mandados acompanhados de acordo de não persecução penal (ANPP) individualizados, para manifestação. Os dados devem estar consolidados dentro de um mês.
“Este trabalho feito pela força-tarefa do 2,4-D foi muito importante para que os produtores que se adequaram às novas regras de utilização sejam valorizados e aqueles produtores que não se enquadraram, que optaram por aplicar o produto da maneira que bem entenderam, sejam, na forma da lei, devidamente responsabilizados”, afirma o promotor de Jaguari e Nova Esperança do Sul, Matheus Generali Cargnin.
O promotor acredita que, a partir de agora, existirá uma maior conscientização de todos os produtores que utilizam o herbicida. “Este trabalho de conscientização já começa a dar frutos. A médio e longo prazo vai fazer com que haja uma aplicação mais correta do 2,4-D e, consequentemente, menos danos ao meio ambiente e às demais plantações”, afirma Cargnin.
Em Rosário do Sul, dos sete expedientes envolvendo o 2,4-D, foram realizados quatro ANPPs no valor total de R$ 14 mil, variando de R$ 2 mil a R$ 5 mil o valor para cada produtor, a depender da quantidade de agrotóxicos utilizada. Uma empresa também firmou acordo no valor de R$ 2,2 mil, totalizando R$ 16,2 mil. Um produtor não tinha direito ao ANPP e outro recusou acordo.
Na região dos Campos de Cima da Serra, foram autuados 25 produtores de soja, trigo e aveia, sendo 20 em Vacaria e cinco em Monte Alegre dos Campos. A cultura mais atingida foi a da maçã, mas também registraram-se prejuízos em videiras.
“Os produtores adquiriram e usaram o 2,4-D sem a devida declaração de aplicação, mesmo com a obrigatoriedade definida pela IN 6/2019”, afirma a fiscal estadual agropecuária e engenheira agrônoma Liese Vargas Pereira, da Seapdr. Os autos de infração foram encaminhados para a promotoria.
De 2019 até o final de 2020, não havia nenhum produtor cadastrado em Vacaria e Monte Alegre dos Campos. Depois destas ocorrências, houve uma mudança de comportamento, segundo Liese. “A gente percebe que agora os produtores estão procurando a inspetoria para fazer o cadastro das propriedades e o cadastro de aplicador para se regularizar, tanto os que já foram autuados como outros. Eles estão procurando se adequar à legislação”, destaca.
A 25ª Delegacia de Polícia Regional e de Vacaria também investiga denúncias de irregularidades no uso do 2,4-D.
Entenda o caso
A Seapdr publicou uma série de instruções normativas (veja aqui) a partir de 2019 prevendo a venda orientada de agrotóxicos hormonais, regras para o cadastro de aplicadores de produtos hormonais e a obrigatoriedade de informações sobre o uso do produto, além do cadastro de culturas sensíveis como viticultura, frutas cítricas, maçãs, oliveiras, erva-mate, fumo, bem como na produção de mel e em plantas e árvores nativas de diversas espécies. Estas regras, que já estão valendo para 24 municípios gaúchos que tiveram o impacto comprovado do uso do 2,4-D, devem ser ampliadas para todo o Estado a partir de 1º de junho do ano que vem.
Com o plantio de uma nova safra chegando, a Seapdr alerta para o cumprimento do que está definido nas instruções normativas. “As normas editadas pela Seapdr vieram com o propósito de trazer mais rigor e segurança ao processo, bem como manter os produtos agrotóxicos no mercado. O problema que hoje existe envolvendo o produto A, amanhã ou depois poderá ser com produto B. Por isso, o conjunto de normas trabalha em diversos eixos como capacitação, conscientização e, não menos importante, o lado da punição. É um somatório, tudo em conjunto com o Ministério Público do Rio Grande do Sul”, destaca o chefe da Divisão de Insumos e Serviços Agropecuários da secretaria, Rafael Lima.
Segundo Lima, nunca se teve tanta atenção na aplicação terrestre, pela cadeia de custódia do produto, desde o fabricante até quem usa o produto. “Nós queremos elevar o nível de conhecimento e da percepção do risco de quem manuseia os agrotóxicos, principalmente os hormonais”, afirma.
Neste momento, o cadastro de aplicadores e a venda orientada dos produtos devem ser observados por 24 municípios: Alpestre, Bagé, Cacique Doble, Candiota, Dom Pedrito, Encruzilhada do Sul, Hulha Negra, Ipê, Jaguari, Jari, Lavras do Sul, Maçambara, Mata, Monte Alegre dos Campos, Piratini, Rosário do Sul, Santiago, São Borja, São João do Polêsine, São Lourenço do Sul, Santana do Livramento, Silveira Martins, Sobradinho e Vacaria.