Karl Marx declara: “São Leopoldo é a prova de que a luta de classes pode ser comprada a prestações”

Por JOÃO DARZONE – ADVOGADO E ESCRITOR

A tragédia das enchentes de maio de 2024 deixou um rastro de destruição em São Leopoldo, com cerca de 180 mil pessoas desabrigadas e inúmeros prejuízos materiais. Em meio a esse cenário caótico, a prefeitura municipal, sob a gestão do prefeito Ary José Vanazzi, encaminhou à Câmara de Vereadores o Projeto de Lei 666/2024, que solicita autorização para contratar um vultuoso empréstimo de R$ 80 milhões junto ao Banco do Brasil (SÃO LEOPOLDO, 2024a).

No entanto, uma análise minuciosa do projeto revela a falta de transparência e detalhamento sobre a aplicação desses recursos, levantando uma série de questionamentos sobre as verdadeiras intenções do governo municipal.

O texto do projeto de lei 666/2024 é extremamente vago e superficial, limitando-se a mencionar que o dinheiro será destinado a “fazer frente às despesas suportadas em decorrência das catástrofes climáticas de maio de 2024” (SÃO LEOPOLDO, 2024a). Não há qualquer especificação sobre quais áreas serão contempladas, quais projetos serão implementados ou como esses recursos serão distribuídos.

Além disso, informações cruciais, como as taxas de juros e os termos contratuais, são omitidas, o que configura um verdadeiro “cheque em branco” para a gestão municipal.

Ao analisar os dados financeiros do município, a situação se torna ainda mais intrigante. Segundo o portal da transparência, São Leopoldo arrecadou, até 30 de junho de 2024, o equivalente a R$ 778.760.736 (SÃO LEOPOLDO, 2024b).

Além disso, o Balanço Financeiro de 2023 aponta que o total da arrecadação naquele ano foi de impressionantes R$ 1.518.179.650 (SÃO LEOPOLDO, 2023a). Mesmo com essa arrecadação expressiva, as Notas Explicativas de 2023 revelam que o município foi inscrito em restos a pagar no exercício de 2023 o valor total de R$ 69.909.451,92 (SÃO LEOPOLDO, 2023b). É importante ressaltar que, em 2023, não houve impacto das cheias, o que evidencia a falta de gestão e planejamento do Executivo, bem como a ausência de fiscalização adequada por parte da Câmara Municipal.

Diante desses números, é inevitável questionar a real necessidade de um empréstimo adicional de R$ 80 milhões. A falta de transparência no projeto de lei levanta suspeitas de que esses recursos possam ser utilizados para fins eleitorais ou para encobrir a negligência e a falta de planejamento financeiro da gestão atual.

A situação se torna ainda mais preocupante quando se considera o papel da presidente da Câmara, vereadora Iara Teresa Cardoso, que também é candidata a vice-prefeita na chapa de Vanazzi. Surge o questionamento sobre como será sua atuação na fiscalização da aplicação desses recursos, uma vez que existe um claro conflito de interesses entre seu papel como vereadora e como candidata.

Sob a perspectiva marxista, esse projeto de lei pode ser interpretado como mais uma manobra da classe dominante para perpetuar seu poder e privilégios, utilizando recursos públicos sem a devida transparência e prestação de contas à população.

A tragédia das enchentes acaba sendo utilizada como uma cortina de fumaça para ocultar a ineficiência e a falta de compromisso da gestão municipal com o bem-estar dos cidadãos.

É importante destacar que há pelo menos oito anos não há planejamento adequado sobre o sistema de contenção de cheias em São Leopoldo. Não existe detalhamento de nenhum projeto consistente de defesa civil, o que torna a cidade vulnerável a novos eventos catastróficos como os ocorridos em maio de 2024.

A propaganda enganosa dos governos federal, estadual e municipal está criando uma falsa sensação de segurança na população, levando as pessoas a acreditarem que tragédias como essa não irão mais acontecer.

No entanto, caso ocorra um novo evento de grandes proporções, o cidadão leopoldense irá se deparar com as mesmas falhas e fatores complicadores decorrentes da total falta de planejamento da gestão atual.

A falta de transparência na execução dos serviços municipais é tão gritante que, em plena crise das cheias, foi necessária a aprovação de uma lei específica para garantir a divulgação de informações básicas cronograma de limpeza.

O vereador Falcão propôs um projeto de lei que prevê a divulgação diária do cronograma do serviço de limpeza pós-enchentes, incluindo a quantidade de veículos, máquinas, trabalhadores e sua localização, além da criação de um canal para solicitação do serviço e denúncias (PORTAL DIA DIA NEWS, 2024). Essa medida evidencia a total falta de transparência da prefeitura, que sequer fornece informações essenciais sobre a execução de serviços emergenciais em um momento de calamidade pública.

A falta de compromisso do prefeito Vanazzi com regras básicas na execução de projetos já é conhecida, como se observa na obra da Secretaria de Segurança ao lado da rodoviária, que se encontra paralisada desde 2023 (BERLINDA, 2023).

Não foi feito um projeto de engenharia adequado para as fundações, e o próprio prefeito, em entrevista ao programa Comunidade em Ação, chamou a empresa vencedora da licitação de “safado sem-vergonha” (RÁDIO MAIS INDEPENDÊNCIA, 2023, 1h02min17s). Vanazzi, por ignorar processos de gestão, procedimentos e planejamento, sequer conseguiu entender que o devido processo administrativo é algo sério.

Além disso, no mesmo programa, Vanazzi afirmou ter recebido R$ 250 milhões do governo Lula para fazer a urbanização de todo o Rio dos Sinos, mas em nenhum momento apresentou projetos, ideias ou obras (RÁDIO MAIS INDEPENDÊNCIA, 2023, 59min54s).

Isso demonstra que o problema da gestão Vanazzi não é a falta de recursos, mas sim a falta de transparência e a incapacidade de planejar e executar projetos de forma eficiente.

Sob a ótica marxista, a gestão Vanazzi representa a negligência da classe dominante em relação às necessidades da população. Ao ignorar a ciência do planejamento e a transparência na aplicação dos recursos públicos, o prefeito perpetua a exploração e a opressão dos cidadãos, mantendo-os à mercê de tragédias e da ineficiência administrativa.

Mesmo para Karl Marx, os custos e a economia devem ser planejados e transparentes. O filósofo alemão defendia uma economia planificada, na qual os recursos seriam alocados de forma racional e eficiente, visando o bem-estar coletivo.

No entanto, a gestão Vanazzi está muito distante desse ideal marxista, uma vez que não há transparência na aplicação dos recursos públicos e nem um planejamento adequado para enfrentar as adversidades.

Se Karl Marx estivesse vivo, certamente seria um crítico feroz da gestão de Ary Vanazzi e da total falta de compromisso da Câmara Municipal de São Leopoldo. O filósofo alemão defendia que a economia deveria ser organizada de forma a atender às necessidades da população, e não aos interesses da classe dominante.

No entanto, o que se observa em São Leopoldo é justamente o oposto: uma gestão que ignora as demandas da população e utiliza os recursos públicos de forma obscura e sem planejamento.

Se Vanazzi fosse de fato um socialista estudioso, entenderia que uma economia planificada pode utilizar formas de planejamento econômico centralizadas, descentralizadas, participativas ou do tipo soviético, dependendo do tipo específico de mecanismo de planejamento empregado (COTTRELL; COCKSHOTT, 1993; DEVINE, 2002; LAIBMAN, 2002).

No entanto, o que se observa em São Leopoldo é a total ausência de planejamento e a falta de compromisso com a transparência na aplicação dos recursos públicos.

Karl Marx, em sua crítica ao sistema capitalista, sempre defendeu a transparência e o planejamento na gestão dos recursos públicos.

O filósofo alemão certamente repudiaria a postura da prefeitura de São Leopoldo e da Câmara Municipal, que parecem mais interessadas em atender aos interesses de grupos específicos do que em promover o bem-estar da população.

A falta de transparência na aplicação dos recursos e a ausência de um planejamento adequado para enfrentar as adversidades são características de uma gestão que não está comprometida com os princípios básicos da administração pública.

É imperativo que a Câmara de Vereadores exija maior transparência e detalhamento sobre a aplicação desses recursos antes de aprovar o projeto de lei. A população de São Leopoldo, já tão duramente atingida pelas enchentes, merece explicações claras sobre como esse dinheiro será utilizado e quais serão os benefícios concretos para a cidade.

Não se pode permitir que a tragédia seja instrumentalizada como moeda de troca eleitoral ou para encobrir a incompetência administrativa.

A postura da prefeitura de São Leopoldo e da Câmara Municipal em relação ao Projeto de Lei 666/2024 evidencia um descompasso com os princípios defendidos por Karl Marx. O filósofo alemão, conhecido por sua crítica contundente ao sistema capitalista, sempre ressaltou a importância da transparência e do planejamento na gestão dos recursos públicos.

Marx certamente repudiaria a falta de clareza na aplicação dos recursos e a ausência de um planejamento adequado para enfrentar as adversidades, características marcantes da gestão atual.

Ao que parece, o prefeito Ary José Vanazzi esqueceu que o dinheiro público pertence aos cidadãos, aos trabalhadores que sustentam a máquina estatal com seu suor e esforço diário. Gastos mal planejados e a falta de transparência recaem justamente sobre a classe que todo socialista afirma proteger. Afinal, são os trabalhadores que arcam com o ônus de uma gestão ineficiente e pouco comprometida com o bem-estar da população.

É fundamental que o prefeito Vanazzi e os vereadores de São Leopoldo compreendam que os impostos são pagos com o suor do trabalho de cada cidadão. Cada centavo arrecadado deve ser tratado com o máximo de responsabilidade e transparência, visando sempre o benefício coletivo. No entanto, a postura adotada pela prefeitura e pela Câmara Municipal sugere um distanciamento desses princípios básicos.

Ops! Será que o prefeito Vanazzi e os vereadores de São Leopoldo sabem o que é suar a camisa para ganhar o pão de cada dia? Talvez seja hora de deixarem seus gabinetes refrigerados e sentirem na pele o que é viver pagando IPTU, IPVA, Imposto de Renda, ISSQN, taxas de alvará, ICMS, PIS, COFINS, FGTS e INSS, se soubessem, iriam dar mais valor ao dinheiro suado do trabalhador e do empresário.

Referências:

BERLINDA. Por que a obra da nova sede da Segurança Pública de SL não avança após quase 10 meses do seu início? Berlinda, São Leopoldo, 3 out. 2023. Disponível em: https://berlinda.com.br/2023/10/03/por-que-a-obra-da-nova-sede-da-seguranca-publica-de-sl-nao-avanca-apos-quase-10-meses-do-seu-inicio/. Acesso em: 15 jul. 2024.

COTTRELL, A.; COCKSHOTT, P. Calculation, Complexity and Planning: The Socialist Calculation Debate Once Again. Review of Political Economy, v. 5, n. 1, p. 73-112, 1993.

DEVINE, P. Participatory Planning Through Negotiated Coordination. Science & Society, v. 66, n. 1, p. 72-85, 2002.

LAIBMAN, D. Democratic Coordination: Towards a Working Socialism for the New Century. Science & Society, v. 66, n. 1, p. 116-129, 2002.

PORTAL DIA DIA NEWS. Vereador protocola PL que exige transparência na retirada de entulhos da enchente em São Leopoldo. Portal Dia Dia News, São Leopoldo, 2024. Disponível em: https://www.portaldiadianews.com.br/rs/noticias/vale-dos-sinos/vereador-protocola-pl-que-exige-transparencia-na-retirada-de-entulhos-da-enchente-em-sao-leopoldo.html. Acesso em: 15 jul. 2024.

RÁDIO MAIS INDEPENDÊNCIA. Comunidade em Ação. Facebook, 2023. Disponível em: https://www.facebook.com/radiomaisindependencia/videos/462567219849122. Acesso em: 15 jul. 2024.

SÃO LEOPOLDO. Balanço Financeiro 2023. São Leopoldo, 2023a. Disponível em: file:///C:/Users/joao/Downloads/Balan%C3%A7o%20Financeiro%202023.pdf. Acesso em: 15 jul. 2024.

SÃO LEOPOLDO. Câmara Municipal. Projeto de Lei 666/2024. Autoriza o Poder Executivo Municipal a contratação de Crédito com o Banco do Brasil S.A e dá outras providências. São Leopoldo, 2024a.

SÃO LEOPOLDO. Notas Explicativas 2023. São Leopoldo, 2023b. Disponível em: file:///C:/Users/joao/Downloads/Notas%20explicativas%202023.pdf. Acesso em: 15 jul. 2024.

SÃO LEOPOLDO. Portal da Transparência. Receita Arrecadada. São Leopoldo, 2024b. Disponível em: https://grp.saoleopoldo.rs.gov.br/transparencia/portal/#/receitaArrecadada. Acesso em: 15 jul. 2024.

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