O FUNGO IDEOLÓGICO: CEGUEIRA POLÍTICA E A REALIDADE ECONÔMICA NO BRASIL

Por JOÃO DARZONE – ADVOGADO E PRESIDENTE DO OBSERVATÓRIO SOCIAL DO BRASIL

Na série “The Last of Us”, um fungo mutante do gênero Cordyceps assume o controle dos seres humanos, transformando-os em criaturas sem raciocínio próprio. Esta premissa fictícia oferece uma metáfora poderosa para a forma como ideologias extremas “infectam” o pensamento crítico na sociedade brasileira, especialmente no contexto político-econômico atual.

O fungo fictício de “The Last of Us” foi inspirado por um fungo real e fascinante do gênero Ophiocordyceps, mais especificamente a espécie Ophiocordyceps unilateralis. Este fungo, encontrado principalmente em florestas tropicais, é conhecido por sua capacidade de infectar e controlar formigas, um fenômeno que os cientistas chamam de “manipulação do hospedeiro”.

Este fungo real demonstra uma capacidade impressionante de manipular seu hospedeiro, um conceito que os criadores de “The Last of Us” amplificaram e adaptaram para criar seu cenário pós-apocalíptico. A principal diferença, claro, é que o Ophiocordyceps unilateralis afeta apenas certas espécies de formigas e não representa nenhuma ameaça aos seres humanos.

A existência deste fungo na natureza serve como um lembrete fascinante e algo perturbador do poder e da complexidade do mundo natural. Também nos faz refletir sobre como, mesmo na ficção de “The Last of Us”, a ameaça mais perigosa para a humanidade é inspirada em algo que já existe em nosso mundo.

Futuro sombrio, onde fungos infectam e assumem o controle de seres humanos – Arte/Divulgação

Assim como os infectados em “The Last of Us” evoluem através de diferentes estágios, podemos traçar um paralelo alarmante com a progressão da “infecção ideológica” entre os militantes políticos mais extremos:

Corredores (Runners): Neste estágio inicial, encontramos os militantes recém-“infectados” pela ideologia. Ainda mantêm aparência de racionalidade, mas já demonstram sinais de extremismo. Eles se movem rapidamente pelas redes sociais, compartilhando fake news e atacando opositores sem reflexão crítica. Ainda é possível “curá-los” com informações factuais e diálogo, mas já representam um perigo para o debate saudável.

Perseguidores (Stalkers): Aqui, os militantes já apresentam sinais claros de radicalização. Eles se escondem em grupos fechados de redes sociais, planejando ataques coordenados contra quem pensa diferente. Sua capacidade de ouvir argumentos contrários é limitada, mas ainda não está completamente perdida. Eles são particularmente perigosos porque podem passar despercebidos em discussões aparentemente normais, apenas para lançar ataques surpresa com argumentos pré-fabricados e descontextualizados.

Estaladores (Clickers): Neste estágio avançado, os militantes se tornaram “cegos” para qualquer informação que contradiga sua ideologia. Assim como os Clickers são guiados pelo som, estes indivíduos são guiados apenas por palavras-chave e slogans de seu grupo político. Eles “ecoam” as mesmas frases repetidamente, incapazes de engajar em um diálogo real. São altamente resistentes a fatos e lógica, e apenas argumentos muito bem construídos e persistentes têm alguma chance de penetrar sua “armadura ideológica”.

Baiacus (Bloaters): O estágio final e mais perigoso da infecção ideológica. Estes militantes estão completamente “inchados” de desinformação e ódio. Eles são lentos em seu raciocínio, mas extremamente resistentes a qualquer forma de argumento ou evidência. Como os Baiacus que lançam esporos tóxicos, estes indivíduos espalham desinformação altamente nociva, “infectando” outros ao seu redor. Eles são praticamente impermeáveis a qualquer forma de diálogo construtivo e representam um perigo real para a saúde da democracia.

Esta analogia nos mostra quão insidioso e perigoso pode ser o extremismo ideológico. Assim como em “The Last of Us”, onde a humanidade luta para sobreviver à infecção fúngica, nossa sociedade deve lutar para preservar o pensamento crítico e o diálogo construtivo frente a esta “infecção ideológica”.

No contexto de nossa analogia com o extremismo político, podemos ver o Ophiocordyceps unilateralis como um lembrete de como ideologias extremas podem “infectar” mentes, alterando comportamentos e levando indivíduos a agirem contra seus próprios interesses e os de sua comunidade. Assim como o fungo leva a formiga a se isolar de sua colônia, ideologias extremas podem levar as pessoas a se isolarem em bolhas ideológicas, distanciando-se do diálogo construtivo e da realidade factual.

Assim como o Cordyceps se espalha rapidamente no universo fictício, as ideologias extremistas se propagam velozmente no Brasil, principalmente através das redes sociais. Fenômenos como o Lulismo e o Bolsonarismo exemplificam essa dinâmica, onde a razão é frequentemente substituída pela preferência cega por um político ou partido.

No jogo e na série, os infectados pelo fungo Cordyceps perseguem, aterrorizam e tentam infectar ou matar os sobreviventes não infectados. De maneira similar, no cenário político brasileiro, aqueles “infectados” por ideologias extremas frequentemente atacam, perseguem e tentam silenciar vozes moderadas ou discordantes.

Os cidadãos que buscam manter uma visão equilibrada e baseada em fatos se veem constantemente sob ataque, seja nas redes sociais, no ambiente de trabalho ou até mesmo em círculos familiares.

Enquanto a população é absorvida por esta “caçada ideológica”, questões cruciais para o futuro do país passam despercebidas. Um exemplo alarmante é a situação da dívida pública brasileira:

Em fevereiro de 2025, a Dívida Pública Federal cresceu R$ 253 bilhões.

Deste montante, R$ 74 bilhões foram devido aos juros e R$ 166 bilhões resultaram da emissão de títulos maior que o pagamento.

Analisando o orçamento federal de 2025 (até 31 de março), constata-se que os investimentos sociais não foram financiados por fontes relacionadas a novos empréstimos.

Para entender a verdadeira dimensão do problema, é crucial olhar para os números totais da dívida pública brasileira:

Dívida interna FEDERAL em dezembro de 2024: R$ 9.484.392.067.990,04 (9 TRILHÕES, 484
BILHÕES, 392 MILHÕES, 67 MIL E 990 REAIS)

Dívida externa TOTAL em dezembro de 2024: US$ 616.989.102.609,48 (616 BILHÕES, 989
MILHÕES, 102 MIL E 609 DÓLARES)

Note que até 31 de dezembro de 2024, o governo federal pagou a quantia estratosférica de 1
TRILHÃO, 996 BILHÕES, 776 MILHÕES, 149 MIL, 754 REAIS!!! OU SEJA 42,96% DOS GASTOS DA UNIAO
SÃO JUROS E AMORTIZAÇOES DA DÍVIDA FEDERAL. OU SEJA A MODICA QUANTIA DIÁRIA DE R$ 5,5
BILHOES DE REAIS POR DIA, OU AINDA R$ 229.116.666,66 POR HORA (QUASE R$ 230 MILHOES POR
HORA).

Estes números astronômicos são como as cidades abandonadas em “The Last of Us” – vastos, assustadores e aparentemente intransponíveis para aqueles que ainda mantêm sua sanidade econômica.

Enquanto os números da dívida pública já são alarmantes por si só, a realidade econômica enfrentada pelo cidadão comum é ainda mais grave.

A inflação real sentida pela população é significativamente maior do que a divulgada pelo governo federal, criando uma disparidade preocupante entre os dados oficiais e a experiência cotidiana dos brasileiros.
Um exemplo concreto desta discrepância pode ser observado no preço de produtos básicos.

O café, um item essencial na mesa do brasileiro, ilustra perfeitamente esta situação:

Em 7 de setembro de 2023, um pacote de café Melitta de 500g custava R$ 12,49.

Em 2 de abril de 2025, o mesmo produto está sendo vendido por R$ 32,90.

Este aumento representa uma inflação de mais de 250% em menos de dois anos para um único produto. E o café não é um caso isolado; milhares de outros produtos, insumos e serviços seguem padrão semelhante.

Diante desta realidade econômica alarmante, o governo federal, ao invés de apresentar soluções concretas, opta por gastar milhões de reais em campanhas publicitárias ineficazes. Estas campanhas se baseiam em índices estatísticos do IBGE que minimizam o efeito real da inflação, uma tática que tem efeito nulo para qualquer cidadão minimamente atento à realidade dos preços.

Esta abordagem do governo federal evidencia uma profunda falta de direção e incapacidade de enfrentar os problemas econômicos reais do país. Por outro lado, a oposição, em vez de propor alternativas construtivas, concentra-se em desestabilizar o governo, também sem apresentar soluções concretas. Este comportamento distancia ainda mais o debate político da realidade enfrentada pela população, transformando a arena política em um verdadeiro circo.

Tanto o governo quanto a oposição parecem cientes de que este circo político cria uma cortina de fumaça sobre os verdadeiros problemas do país. No entanto, a militância de ambos os lados, controlada pelo “fungo ideológico”, realiza o trabalho sujo de atacar e tentar exterminar setores, pessoas e entidades que buscam escapar desta armadilha do fanatismo e propor soluções inovadoras.

Este cenário de polarização extrema e debate político superficial serve apenas para distrair a população dos problemas econômicos reais e urgentes que o país enfrenta.

Enquanto a atenção pública é desviada para conflitos ideológicos muitas vezes irrelevantes, questões cruciais como a inflação galopante, o aumento da dívida pública e a deterioração do poder aquisitivo da população são deixadas em segundo plano.

Esta realidade revela que o crescimento da dívida não está servindo para financiar investimentos, mas sim alimentando o “Sistema da Dívida”.

Assim como os sobreviventes em “The Last of Us” lutam diariamente por recursos escassos, os cidadãos brasileiros que ainda não sucumbiram à “infecção ideológica” lutam para entender e sobreviver em um sistema econômico que parece drenar os recursos do país para beneficiar uma pequena elite (na realidade os bancos e os grandes grupos econômicos que usufruem de gordos incentivos fiscais na qual o governo brasileiro sempre privilegiou).

A oposição, que no passado poderia ter sido um contrapeso essencial, falha em sua missão. Perdida em debates sobre temas menores e incapaz de comunicar efetivamente a gravidade da situação econômica, ela não conseguiu mobilizar a população a tempo. Rumo do Brasil, a realidade ficcional de THE LAST OF US, não parece muito distante, pois, a oposição e situação se recusam a enxergar os sinais do desastre iminente, restando como linha defesa pequenos grupos de “não-infectados” buscam uma “cura” – uma forma de reconstruir a nação a partir dos escombros deixados pela cegueira ideológica e pela irresponsabilidade fiscal.

Em um Brasil assolado pela “infecção” ideológica, os cidadãos de pensamento crítico enfrentam um cenário político-econômico tão hostil quanto o mundo pós-apocalíptico de “The Last of Us”. A cura para esta cegueira coletiva reside na educação, transparência e no resgate do debate público baseado em fatos.

A polarização extrema e a negação da realidade econômica têm nos levado à beira do abismo. Como Joel e Ellie, devemos navegar por este terreno perigoso, mantendo nossa humanidade e racionalidade intactas. Só assim poderemos construir um futuro verdadeiramente sustentável para o Brasil.

As palavras de Ellie ecoam em nossa realidade: “Depois de tudo que passamos, tudo que fizemos… Não pode ser em vão.” Nossa história de lutas e sacrifícios clama por um desfecho digno. É nosso dever resistir ao extremismo, preservar nossa capacidade de pensar criticamente e trabalhar incansavelmente por um amanhã melhor.
Embora o cenário atual pareça sombrio, a esperança persiste. Assim como Joel e Ellie encontraram luz em um mundo devastado, nós também podemos reacender a chama do progresso e da razão, pois em um mundo infectado pela ideologia cega, o pensamento crítico é nossa vacina, e a esperança, nosso antídoto.

Referências

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