Mães de bebês com microcefalia não recebem tratamento adequado após dois anos da crise do Zika Vírus
Em 2016, o Zika Vírus atingiu Pernambuco em cheio e, como resultado, mais de 400 crianças tiveram a confirmação de microcefalia relacionada à síndrome congênita do vírus. Segundo o Ministério da Saúde, no último ano, apenas 14% delas receberam o atendimento completo para reabilitação. Um recorte feito pelo Instituto Mara Gabrili (IMG), que atuou em Recife no mês de dezembro com o projeto “Cadê Você? Um Olhar para Recife no Contexto do Zika Vírus”, mostra uma realidade perturbadora, com o abandono de muitas dessas famílias. “É gritante a falta de informação sobre microcefalia, a ausência de intervenção em saúde mental e prevenção de sofrimento”, diz Mirian Coutinho Psicóloga do IMG. “O cenário nos mostrou a falta de conhecimento sobre a deficiência e ausência de projetos em reabilitação longitudinal, ou seja, a oferta de tratamentos às múltiplas deficiências que a microcefalia acomete”, completa.
O IMG, em parceria com a ONG AMAR – Aliança de Mães e Doenças Raras e o Centro Universitário Mauricio de Nassau – UNINASSAU, levou assistentes sociais, psicólogas, fonoaudiólogas, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas ao Recife para oferecer atendimento multidisciplinar para 100 famílias de bebês com microcefalia. Entre as principais descobertas em relação à realidade das famílias atendidas estão:
Falta de planejamento familiar
Não foram identificados relatos de planejamento familiar e cuidados de serviços de saúde. As mulheres não tinham informação sobre as formas de transmissão do vírus e as consequências da deficiência para o bebê durante a gravidez. Durante a ação, não houveram relatos sobre a prevenção da Síndrome Congênita Zika Vírus, as mulheres participantes não tiveram acesso a informações básicas sobre educação sexual, além disso devido à ausência de exames, elas não obtiveram um diagnóstico adequado durante a gestação.
Pouca informação sobre microcefalia
Foi identificado falta de informação frente ao diagnóstico de microcefalia e suas comorbidades (existência de duas ou mais doenças em simultâneo). Por meio dos atendimentos, a ONG percebeu que algumas mães olhavam somente para a microcefalia como algo reversível e um prognóstico de “cura”. Elas não tinham conhecimento de que a microcefalia pode estar associada com outras questões como deficiência intelectual, visual, auditiva.
Pouca estrutura emocional
As famílias têm pouca estrutura emocional para lidar com os problemas relacionados à deficiência. A relação entre as mães e crianças é frágil, com poucos estímulos de afeto. Elas não estão preparadas para os cuidados além das necessidades básicas dos bebês e para uma rotina funcional. Essas mães não conseguem tocar os seus filhos de forma afetuosa, de maneira que possa perceber a troca neste contato. O IMG percebeu que o afeto não é um estímulo presente, muitas vezes se faz o exercício com o bebê, mas é feito de forma mecânica, apática e sem estabelecer uma relação afetuosa com a criança, que muitas vezes se torna passiva, pois não consegue ter a compreensão do prazer no toque das mães.
Desesperança
Nas conversas com a terapeuta ocupacional, a maioria das mães demonstrou sentimento de desesperança quando questionadas sobre o futuro de seus filhos. As famílias se sentem “usadas”, pois participam de algumas pesquisas de instituições, mas nenhuma ação realmente eficiente se concretizou em suas vidas e nenhuma dessas intervenções tiveram continuidade. Também ficou claro o sentimento de abandono por parte dos serviços de reabilitação. As mães ainda têm falsas expectativas de cura que são ocasionadas por dúvidas não sanadas ou pela não elaboração do luto pelo filho perfeito.
Mais Fortes Que a Zika
O “Cadê Você? Um Olhar para Recife no Contexto do Zika Vírus” fez parte da “Caravana: Mais Fortes Que a Zika”, que percorreu as cidades pernambucanas Goiana, Olinda, Petrolina, Recife e Caruaru e marcou início das atividades de combate e prevenção do Zika Vírus em escolas públicas e comunidades de baixa renda, que acontecem até maio de 2018. O projeto foi financiado pelo Fundo PositHIVo por meio de uma parceria com a Bayer. As entidades concluíram que a sociedade ainda não se conscientizou de que o vírus, que pode causar a microcefalia, não é apenas transmitido pelo mosquito aedes aegypti, mas também sexualmente. Por este motivo, a Fundo PositHIVo abriu um edital com o tema “Saúde Sexual e Reprodutiva no Contexto do Zika Vírus” e selecionou cinco projetos para atuar neste contexto, foram eles:
- Grupo Curumim Gestação e Parto – atuou com meninas adolescentes da rede pública de ensino, por meio de redes de diálogo e concurso de redação, nas cidades de Goiana e Petrolina;
- Instituto Papai – Trabalhou com pais de crianças ou com mulheres que sofrem da síndrome congênita, em Caruaru;
- Instituto Mara Gabrilli – atuou junto com a ONG Amar, realizando pesquisa para criar um protocolo de adições da síndrome, no Recife.
- Casa da Mulher do Nordeste – investiu na formação sociopolítica de mulheres jovens e negras, nas comunidades de Passarinho e Totó, no Recife;
- Grupo de Trabalho em Prevenção Positivo (GTP+) – levou a 10 escolas públicas o projeto Lampião e Maria Bonita Superprevenidos na Luta contra o Zika Vírus, para debater a contração da doença e formas de prevenção em Olinda. Eles também realizaram atividades nas estações de metrô Joana Bezerra e Recife. O investimento foi de R$ 40 mil para cada ONG, totalizando R$ 200 mil em recursos para o combate e prevenção da patologia.