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Morte de castanheiras em produção preocupa pesquisadores

Pesquisa realizada no Acre durante 14 anos pela Embrapa e Universidade da Flórida mostrou que a manutenção de castanheiras adultas (Bertholletia excelsa Bonpl.), aquelas que já produzem castanha, e também de pré-adultas, que estão perto de começar a produzir, é fundamental para a sustentabilidade da atividade de coleta da castanha-da-amazônia. Praticamente toda a semente comercializada, também conhecida como castanha-do-pará ou castanha-do-brasil, vem de árvores nativas.
Uma preocupação comum é a de que altas taxas de coleta das castanhas reduzem o surgimento de novas castanheiras, o que compromete a produção futura. No entanto, os estudos mostram que o problema maior é a manutenção das castanheiras adultas e pré-adultas, e nem tanto a falta de novas castanheiras. Os desmatamentos que ainda ocorrem na região Amazônica, a morte natural devido às mudanças climáticas (especialmente por secas ou inundações prolongadas) e a retirada de árvores em produção da floresta são fatores que mais têm preocupado os pesquisadores.

Um estudo demonstrou que plantas jovens e adultas respondem de maneira diferente quanto ao crescimento, mas não é necessário ter manejo diferenciado. De acordo com a pesquisadora da Embrapa Lúcia Wadt, a maior preocupação é com as mudanças climáticas, pois a ocorrência de secas, inundações e alteração nas temperaturas pode levar à morte de árvores adultas e também selecionar as árvores jovens que são mais resistentes.
Resultados de pesquisa realizada no Acre indicam que as taxas atuais de coleta da castanha não estão ameaçando a abundância dessas árvores por pelo menos um século. “Isso se não houver alterações significativas na forma de coleta nem nas condições ambientais”, ressalta Wadt.
Os pesquisadores alertam produtores e instituições de apoio para estarem atentos ao futuro dos castanhais e, principalmente, para a tomada de medidas para plantio de enriquecimento em capoeiras abandonadas, além da seleção de materiais mais resistentes às mudanças climáticas. “Já estamos preocupados com isso. Em 2016, a Embrapa iniciou o programa de melhoramento genético da castanheira-do-brasil, em que estão sendo selecionadas e caracterizadas matrizes de alta produção e que demonstrem manutenção da produção em anos desfavoráveis”, informa a cientista.
Durante 14 anos, pesquisadores registraram as taxas de mudanças no tamanho e na estrutura da população em dois castanhais com diferentes intensidades de coleta, para determinar até que ponto o extrativismo da castanha merece preocupação em relação à manutenção dos castanhais no futuro.
As taxas de sobrevivência de castanheiras jovens e adultas foram muito diferentes entre os dois castanhais estudados, demonstrando que, mesmo dentro da mesma região geográfica, o comportamento e a resposta à coleta de frutos ou a mudanças climáticas podem ser muito distintos.

Mais de 80 anos para começar a produzir na natureza
Outra revelação desse trabalho foi o tempo que uma mudinha leva para crescer e começar a produzir frutos nas condições naturais da floresta nativa. Os resultados da modelagem mostraram que esse tempo pode variar muito dentro do mesmo castanhal e também entre castanhais. Na área avaliada, o início da produção variou de 83 a 167 anos. Mudanças nos castanhais ocorrem lentamente devido à longevidade das castanheiras: vivem 500 anos ou mais. Segundo os pesquisadores, castanheiras jovens levam décadas – sob boas condições de crescimento – ou até séculos – em ambiente de floresta fechada com pouca luz – para iniciar sua fase reprodutiva.
Outro fator importante é a disponibilidade de sementes para gerar novas castanheiras. Uma planta adulta tem o potencial de produzir frutos por, pelo menos, 150 anos de sua vida. Os frutos caem no chão da floresta assim que amadurecem e precisam ser abertos por um agente externo para liberar suas sementes. Humanos, cutias e outros animais agem como dispersores das sementes por serem capazes de abrir os frutos grandes e duros.

Manejo de coleta é fundamental
Lúcia Wadt explica que as cutias enterram algumas sementes para consumo futuro, mas muitas delas são perdidas e germinam, dando início a uma nova castanheira. “Quando os humanos coletam uma grande proporção dos frutos caídos, há menor disponibilidade para as cutias ‘plantarem’, porque, em casos de escassez de alimento, elas preferem comer e não estocar. Isso pode levar a uma falta de castanheiras para repor aquelas que vão morrendo e, consequentemente, uma diminuição na produção futura”, argumenta a Wadt. Mas, a pesquisadora da Universidade da Flórida, Karen Kainer, ressalta que “só precisa de uma dessas mudinhas chegar até o dossel e se transformar em adulta para repor uma castanheira velha que morre”.
Mesmo sabendo de alguns fatores que afetam negativamente a probabilidade de sobrevivência das castanheiras como, por exemplo, a infestação por cipós, muitos outros detalhes ecológicos desconhecidos também estão agindo e controlando a germinação de novas plantas e a sobrevivência das castanheiras já existentes. Mesmo com 14 anos de estudos, para se avaliar o real efeito da coleta das sementes da castanha-da-amazônia na manutenção dos castanhais em longo prazo, Wadt diz que ainda é preciso mais tempo de análises.

A pesquisa
Os castanhais avaliados no Acre são denominados de Filipinas, localizados na Reserva Extrativista Chico Mendes, em Epitaciolândia; e Cachoeira, parte do Projeto de Assentamento Agroextrativista Chico Mendes, em Xapuri. Nessa região, a castanha-da-amazônia vem sendo coletada há mais de 80 anos. Entre 2007 e 2010, estimou-se uma proporção média de coleta dos frutos de 39% no Filipinas e 81% no Cachoeira.
Observações sobre o recrutamento de novas plantinhas de castanheira, crescimento e sobrevivência das mudas, dos jovens e dos adultos foram feitas, no período de 2001 a 2015, em 530 castanheiras no Filipinas, demonstrando abundância média de 0,9 adultos maduros por hectare; e no período de 2008 a 2016, em 372 castanheiras no Cachoeira, com abundância média de 1,7 adultos maduros por hectare. Com esses dados, foram ajustados modelos populacionais para estimar qual a expectativa desses castanhais crescerem, morrerem ou permanecerem estáveis.
As taxas de sobrevivência observadas nos dois castanhais avaliados foram bastante diferentes: 50 das 530 castanheiras (9%) monitoradas no Filipinas morreram ao longo de 14 anos, enquanto apenas quatro das 372 castanheiras (1%) monitoradas no Cachoeira morreram em oito anos. Para os dois castanhais houve a expectativa de manutenção das árvores ainda por muitos anos no futuro. Os resultados indicaram que a coleta da castanha nesses dois castanhais não está ameaçando a abundância de castanheiras por pelo menos 100 anos. Embora a maior taxa de coleta observada no Cachoeira (81%) possa ser um importante fator responsável pelo baixo recrutamento de novas castanheiras, quando comparado ao Filipinas, não houve evidências de que isso seja a causa da baixa germinação de sementes. Como o castanhal do Cachoeira tem maior produtividade, mais frutos foram deixados na floresta após a safra, ficando disponíveis para as cutias dispersarem. “Isso indica que, para se recomendar restrições na coleta da castanha-da-amazônia, ainda é preciso mais conhecimento sobre as relações de coleta da castanha com a atividade das cutias e o recrutamento de novas castanheiras”, pontua Lucia Wadt.

Produção e consumo da castanha-da-amazônia
A castanheira possui grande importância social e econômica, além de ser uma espécie-chave para ser conservada. A demanda pela castanha-da-amazônia cresce a cada ano, fortalecendo seu mercado e trazendo cada vez mais questionamentos e preocupações sobre sua manutenção e desenvolvimento.
A safra de 2017 registrou redução de cerca de 70% em relação a 2016 (leia matéria sobre o assunto). A produção esperada na safra 2016/2017, segundo pesquisadores da Embrapa, é de algo próximo a dez mil toneladas, enquanto as últimas médias anuais variavam entre 20 mil e 40 mil toneladas. A queda da produção fez o preço da lata (11 Kg) da castanha para o extrativista, que em 2016 custou em média R$ 50, saltar para R$ 180 em algumas regiões. Pesquisadores apontam alterações no regime de chuvas como a principal causa dessa queda.

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