De um lado, uma empresa inadimplente, com as operações em risco. De outro, o Estado, dependente das arrecadações para manter sua engrenagem funcionando. E, no meio de tudo isso, um escritório de advocacia especializado em direito tributário. Em comum, esses três personagens de uma mesma história tinham o desejo de resolver a situação nos termos da lei, de forma que nenhuma das partes sofresse mais danos.
O cenário descrito acima é parte da jornada da Cooperativa Vinícola Garibaldi, uma das mais premiadas produtoras de vinhos do Brasil. Em mais de 1 mil hectares de vinhedos espalhados por 15 municípios da Serra Gaúcha, a associação autônoma que acaba de completar 90 anos produz mais de 20 milhões de quilos de uva a cada safra, processadas em um moderno parque industrial. É de lá que saem espumantes, vinhos e sucos de mais de 70 rótulos de 10 marcas.
Em 2013, com um passivo tributário de cerca de R$ 60 milhões relativo ao ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) – incluindo multas e juros – que se arrastava sem solução há anos, a Garibaldi e a Gaiga Advocacia se reuniram para encontrar uma alternativa definitiva. “A dívida estava negociada, mas nunca chegávamos ao fim”, lembra Oscar Ló, presidente da Garibaldi, explicando que o processo estava prestes a ser executado, o que inviabilizaria a continuidade das operações.
A solução encontrada pela Gaiga envolveu, de imediato, um adiamento do processo executório e do bloqueio de contas, o que deu margem para uma nova rodada de negociações. Naquele momento, entrou em cena a Procuradoria-Geral do Estado. O Dr. Rafael Orozco, coordenador da Procuradoria-Geral do Estado da Regional de Caxias do Sul, profissional com duas décadas de atuação no serviço público, foi um dos condutores desse primeiro passo.
“Eu sempre trabalhei para derrubar aquela visão equivocada de que os empresários que devem ao Estado agem de má fé, não pagam porque não querem e, por isso, deveriam deixar de operar. Esse antagonismo – nós somos os bons e eles os maus – não levava a lugar nenhum e os passivos tributários só aumentavam”, lembra. “Existem situações que devem ser consideradas, como os planos econômicos pelos quais passamos nas últimas décadas, inflação, desvalorização da moeda, crises. Isso sem falar nas instabilidades causadas pelo próprio Estado, como a guerra fiscal e as diferenças de alíquotas entre as localidades. É claro que existem os maus empresários, mas tem muita gente querendo empreender de forma honesta num país onde isso ainda é muito difícil.”
A NEGOCIAÇÃO
Graças à expertise da Procuradoria-Geral do Estado, que já havia conduzido negociações anteriores envolvendo alternativas criativas que iam além do padrão dos parcelamentos em no máximo 60 parcelas, havia espaço para a composição amigável da dívida. Com isso, a Gaiga Advocacia, depois de um amplo estudo do caso, apresentou uma nova proposta para o pagamento da dívida da Garibaldi. “Conseguimos estruturar um parcelamento sem prazo e com valores pequenos, em um período que a Selic estava 10%”, conta Francisco Gaiga, sócio da Gaiga Advocacia, lembrando que, nos anos seguintes, a taxa básica de juros chegou a 14%. “Em determinado momento, os valores mensais chegaram a ser inferiores aos dos encargos que incidiam sobre a dívida.”
Com o passivo negociado de forma a caber no bolso – e o compromisso de manter o recolhimento em dia do imposto gerado mensalmente daquele momento em diante –, a Garibaldi foi capaz de continuar operando e o município – que recebe cerca de 25% do ICMS recolhido pelas empresas da região – reforçou seu caixa.
“Se, naquele momento, a PGE tivesse se mostrado inflexível e quisesse cobrar a dívida da maneira como ela se apresentava, a cooperativa certamente teria fechado as portas. A habilidade de negociação da Gaiga e a sensibilidade da PGE em entender o momento nos deu fôlego para continuar operando e quitar a dívida”, diz Oscar Ló, lembrando que, na mesma época, outras cooperativas do estado não tiveram o mesmo destino, como a Pompéia, que acabou por encerrar suas atividades.
Em 2017, com a edição do programa Compensa RS – que deu aos credores de precatórios que também eram devedores do Estado o direito de compensar seus débitos inscritos em dívida ativa até 25 de março de 2015 –, foi conduzida uma nova renegociação, que estruturou o pagamento de 85% da dívida em precatórios, 10% em recursos próprios, parcelado em três vezes e 5% em parcelas com prazo maior – que, no caso da Garibaldi, acabam agora em 2021.
Mais uma vez, as habilidades da Gaiga Advocacia e a boa vontade da PGE e da Receita Estadual foram essenciais nesse processo de reestruturação da dívida, já que essa negociação envolvia créditos presumidos – um benefício que só pode ser aproveitado caso a empresa não tenha débitos e que influencia diretamente na capacidade de competir em pé de igualdade no seu setor de atuação.
Ao mesmo tempo em que regularizava sua situação perante o Estado – com mais de R$ 2 milhões pagos anualmente de ICMS –, a Garibaldi não só mantinha suas operações a todo vapor, como registrava crescimento. Entre 2013 e 2019, o faturamento saiu de R$ 68 milhões para R$ 175 milhões.
“As empresas precisam saber que existem alternativas. Não podemos nos agarrar à primeira solução apresentada, principalmente se ela for negativa para a continuidade das operações. Um caminho diferente pode significar a salvação ou a condenação do negócio”, diz Oscar Ló, presidente da Garibaldi.
Para o Dr. Rafael Orozco, que é um dos procuradores que colocaram a PGE do Rio Grande do Sul como precursora desse tipo de negociação no país, é importante ficar claro que, em grande parte dos casos, sentar à mesa para negociar traz mais vantagens – a todos os envolvidos – do que apenas seguir as determinações legais sem contestação.
Nesta linha, Francisco Gaiga destaca que “as formas de tratamento dos passivos tributários pelo Estado são restritivas e criam um cenário de engessamento e vinculação do caixa, empurrando o contribuinte para os modelos tradicionais e mais caros, evitando o acesso a algumas oportunidades de flexibilização”.
Já para Oscar Ló, a situação vivida pela Garibaldi não foi fácil, mas teve um final feliz graças ao suporte encontrado ao longo do caminho. “Todo esse processo levou quase uma década em função do valor, que era expressivo. Durante esse tempo, a cooperativa precisou conviver com a competitividade típica do negócio, além de um custo financeiro extra, decorrente da dívida. Mais uma vez, a sensibilidade do estado foi importante em entender que precisávamos de tempo para resolver o problema”, diz.
“Hoje, sem esse custo adicional, competimos no mesmo nível dos nossos concorrentes”, diz o executivo, aliviado e já projetando crescimento também para este ano. Em 2020, a Garibaldi registrou um faturamento bruto de quase R$ 190 milhões. A perspectiva para 2021 é chegar a R$ 220 milhões.
Se foi bom para a cooperativa, foi bom também para o Fisco em geral, que arrecada, apenas sobre o desempenho da Garibaldi, quase R$ 40 milhões por ano em impostos. Mas, melhor ainda, foi para as 430 famílias associadas e 200 funcionários que dependem diretamente de seu funcionamento.