*Dr. Marco Lipay
Urologista
Nós, médicos especialistas, estamos preocupados com dados apresentados pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde, que em 2020 observou 275.587 mortes a mais do que o esperado; e desse universo, 55.117 casos não foram relacionados à COVID-19. O Portal da Transparência informa que foram registrados 1.459.712 óbitos no ano de 2020, dos quais 220.469 por COVID-19. Neste ano, até o presente momento, mais de 817.000 pessoas evoluíram a óbito em nosso país e estima-se que serão diagnosticados aproximadamente 50 mil novos casos de câncer, número elevado, que pode ser explicado pelo retardo no diagnóstico. Sempre soubemos que o atraso no diagnóstico e início do tratamento é fator determinante no prognóstico da doença. A situação passa a ser mais preocupante quando consideramos recente publicação do The British Medical Journal, em novembro de 2020, que apresentou uma revisão sistemática de 34 estudos, analisando 1. 272.681 pacientes com câncer. A conclusão do trabalho foi de que, a cada quatro semanas de atraso no tratamento do câncer, a probabilidade de morte aumenta de modo significativo e proporcional à espera diagnóstica.
Em 2021, já havíamos mencionado que a Sociedade Brasileira de Urologia – Seção São Paulo, mostrou queda significativa nos números de novos diagnósticos de tumores urológicos em 2020, quando comparado a igual período em 2019. Os dados analisados foram fornecidos por cinco instituições paulistas que realizam atendimento de pacientes pelo Sistema Único de Saúde (SUS), evidenciando que os diagnósticos de câncer de rim, próstata e bexiga diminuíram, em média, 26% no período da pandemia (COVID-19). De acordo com o levantamento, o Hospital das Clínicas da Universidade de Campinas (Unicamp) observou queda de 52% de novos casos de câncer de bexiga e de 63% nos cânceres de rim. O Hospital São Paulo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), mostrou redução em 35% de novos casos de câncer de rim neste período. O diagnóstico de tumor de próstata, segundo câncer urológico de maior prevalência nos homens e a segunda maior causa de óbito nesta população, apresentou uma redução média de 33% nas instituições pesquisadas.
Em outra publicação, apresentamos dados da Associação Brasileira de Transporte de Órgãos (ABTO) mostrando que em 2020 houve uma queda nas taxas de doação e de transplante de órgãos com doador falecido. Foi observada uma queda, em todo o território nacional, de 24,5% na taxa de transplantes renais, sendo de 17,2% nos transplantes com doador falecido e de 59,6% nos procedimentos com doador vivo, valor que retomava taxas obtidas no ano de 2009. Em oposição, a lista de espera para transplante renal cresceu 6,2%, enquanto o ingresso em lista caiu 32% e a mortalidade em lista aumentou 27%, talvez em decorrência do maior risco de exposição à COVID-19 e pela necessidade de realizar hemodiálise.
Não podemos deixar de mencionar outras causas de óbito não relacionadas às doenças urológicas. Estudo brasileiro na área de Cardiologia, feito em novembro de 2020, mostrou o excesso de mortes durante a pandemia de COVID-19 nas capitais brasileiras. Esse estudo revelou que as mortes por doenças cardiovasculares aumentaram significativamente em seis capitais avaliadas: Manaus (AM), Belém (PA), São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Fortaleza (CE) e Recife (PE) – as cidades foram escolhidas por terem sido especialmente afetadas pelo coronavírus nos primeiros meses de 2020 e os óbitos podem ser justificadas pelo retardo no atendimento e diagnóstico.
De modo resumido e seguindo dados apresentados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), podemos afirmar que o aumento no número de óbitos na pandemia está relacionado a questões sanitárias não provisionadas, pelo isolamento social, dificuldades em atender pacientes crônicos pelo sistema de saúde deficitário, na dificuldade em realizar exames preventivos e/ou de controle, além do medo ou pânico da população em procurar auxílio médico, mesmo sintomático, diante do risco de contrair o Sars-CoV-2 em hospitais; mas em oposição, a mesma população não se sente amedrontada em participar de reuniões ou outros eventos sociais.
Recomendamos que os pacientes não deixem de fazer suas consultas de rotina e, se estiverem em tratamento, nunca abandonem a terapia. A doença causada pelo SARS-CoV-2 (COVID-19) não inibiu o aparecimento de novos casos de cânceres, apenas promoveu o afastamento dos pacientes dos consultórios médicos e hospitais, retardando o diagnóstico e reduzindo as chances de cura.
Durante a pandemia, não deixe de usar máscaras, mesmo que esteja vacinado. Mantenha o distanciamento social, lave as mãos frequentemente com água e sabão, use álcool em gel quando não for possível lavar as mãos e vacine-se assim que for convocado. Hospitais e consultórios seguem rigorosos protocolos de prevenção ao coronavírus, conforme orientações do Ministério da Saúde e Vigilância Sanitária.
Conclui-se que os tumores podem apresentar bons prognósticos, quando diagnosticados precocemente, e que mortes como as desencadeadas por eventos cardiovasculares podem ser evitadas.
Na dúvida, não tenha receio em conversar com o seu médico (de modo presencial, por telefone ou videoconferência), ele vai saber lhe orientar.
*Dr. Marco Aurélio Lipay é Doutor em Cirurgia (Urologia) pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), Titular em Urologia pela Sociedade Brasileira de Urologia, Membro Correspondente da Associação Americana e Latino Americano de Urologia e Autor do Livro “Genética Oncológica Aplicada à Urologia”.