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A questionável santidade da urna eletrônica e as birras adolescentes

Por João Darzone
Advogado

Santidade é a qualidade ou característica de quem pode ser considerado santo, ou seja, dotado de virtudes, inocência, piedade e pureza. Etimologicamente, a palavra santidade teria se originado a partir do termo em hebraico “kadosh”. Esta palavra é utilizada com o significado de santo ou santificado para designar algo sagrado ou, para se referir a um indivíduo que foi consagrado perante outras pessoas.

Todos devem ter ouvido em algum momento da vida esta frase dos pais: “Diga-me com quem andas e te direi quem és!”

Este clássico bordão universal prolatado principalmente para os adolescentes é um daqueles mantras poderosos quando pais querem afastar os filhos da má influência das companhias.

Pais que zelam pelos filhos, desenvolvem certos superpoderes premonitórios e ao lançar tal frase, eles detêm de fato a capacidade acurada de prever as consequências de seus filhos envolverem-se com determinadas pessoas.

O problema é que as proibições e críticas inflexíveis e negativas poderão ter um efeito contrário, levando o adolescente a ter comportamentos de desafio e provocação, ou seja, quanto mais os pais apontam os riscos da convivência com más companhias, menos o adolescente se comove com os argumentos.

Ver o debate da segurança das urnas eletrônicas não deixa de ser algo engraçado, pois, lembra exatamente esta circunstância da vida. Ver os defensores da “santidade da urna eletrônica” é mais ou menos como ouvir a defesa de argumentos de adolescentes que tentam justificar suas motivações de andar com más companhias.

Um dos pontos centrais do debate da segurança no processo eleitoral, consiste que a urna eletrônica é um instituto criado e concebido pelo Estado Brasileiro, e o Estado Brasileiro não é uma boa companhia, pelo contrário, é uma péssima influência moral e um grande peso nas costas, sob a ótica do cidadão comum.

O cidadão comum que acompanha política nestes 30 anos vivenciou verdadeiras atrocidades cometidas por políticos e agentes de estado.

O cidadão comum enxerga na política atual a supremacia dos incompetentes, onde a razão foi abandonada pela “boquirrotice” dos discursos vazios em prol da justiça social, um conceito cada vez mais vago e que quando usado nos discursos mais identifica políticos despreparados e demagogos do que convence alguém com um número mínimo de neurônios.

Escândalos desde era FHC, como a suposta compra de votos pela reeleição, o Mensalão, o Petrolão na era Lula-Dilma, deixaram claro que os governos das últimas décadas escondem em seu âmago um câncer que tomou o corpo da República: a corrupção e banditismo das autoridades de governo em conluio com os capitalistas de compadrio.

E não tenha dúvidas que muitos dos Prefeitos, Vereadores, Deputados, Governadores, Senadores, e uma enormidade dos ocupantes das posições de cargos na máquina estatal são de fato bandidos.

A corrupção instalada nos governos por estes indivíduos que roubam, mentem, matam em nome de um projeto próprio de poder e, pior ainda, de forma descarada, assumem a postura de guardiões da moral de quem sabe o que é melhor para a sociedade brasileira.

E que fique claro, não se trata apenas da esquerda. Muitos dos hipócritas ditos de direita que se elegeram na onda Bolsonaro sob a justificativa de criar um “Brasil melhor”, hoje estão no mesmo esquema de preservar seus mandatos e suas posições e nada além disso.

O cidadão comum percebe estupefato o esforço titânico de altas esferas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário em esconder as grandes patifarias dos governos federal, estaduais e municipais passando por cima de leis e da Constituição Federal, colocando para debaixo do tapete as provas e evidências claras de crimes que atentam a dignidade, a República e da própria democracia.

A sociedade começou a entender que o grande embate político entre forças antagônicas (esquerda x direita), nada mais é do que um grande teatro que visa apenas reduzir o debate público em nós “contra eles”, enquanto o capitalismo de compadrio e as altas castas de servidores públicos que se beneficiam dos cofres públicos, independente de quem venha a assumir o poder.

E aos olhos do cidadão comum, são estes indivíduos os mesmos que atestam a segurança do processo eleitoral, ou seja, as “más companhias” da urna eletrônica.

O Presidente da República de forma arguta entendeu o processo social de desconfiança de parte da sociedade brasileira no sistema eleitoral, e em especial da questionável “santidade da urna eletrônica.”

Seus adversários políticos que ainda não entenderam a dinâmica que o colocou no poder parecem desconhecer que neste ponto, Bolsonaro fala por parte da sociedade brasileira, que é numericamente significativa.

Se Bolsonaro está de boa-fé ou má-fé ao questionar a segurança das urnas nunca se saberá, mas o fato é que as urnas não são confiáveis, mesmo sendo tecnicamente invioláveis o que é um outro paradoxo.

E na visão do cidadão comum, acostumado a sofrer golpes de internet, celulares clonados, senhas de cartões de crédito invadidas, seja em casa, no trabalho, e ainda todo santo dia ler notícias da hackers invadindo computadores da NASA, CIA, PENTÁGONO, Supremo Tribunal Federal, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, JBS, chega beirar a infantilidade juvenil a defesa da “sagrada urna eletrônica”, com o argumento de que ela é inviolável, íntegra e que somente este dispositivo no Planeta Terra é imputada a total impossibilidade da manipulação de seus dados.

A “sagrada urna eletrônica” que, quer queira ou não, faz parte do complexo sistema de informática do Poder Judiciário, sendo que nem este foi poupado de invasão de hackers, que fizeram vítimas os todos-poderosos Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça.

Mas, os representantes das mesmas as Cortes Superiores que foram colocadas de joelhos por hackers afirmam com veemência que as “urnas eletrônicas são seguras.”

Aqui em térreas gaudérias, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, teve seus sistemas de informática praticamente aniquilados em maio deste ano, por hackers. Segundo lendas urbanas propaladas em áudios viralizados pelo WhatsApp, a Corte Gaúcha foi vítima de “hackers” russos que pediram resgate de alguns módicos milhões de dólares.

O fato é que os advogados gaúchos padecem pelas falhas e cotidiana queda do sistema desde o evento da invasão, que até hoje causa instabilidade no sistema do Tribunal Gaúcho, o que já abalou totalmente a credibilidade na segurança do sistema.

Mas quando se trata de questionar a segurança das urnas eletrônicas a mais ou menos 1 km do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, afirma com veemência que as “urnas eletrônicas são seguras.”

E neste ambiente, em que a sociedade é vítima cotidianamente de invasão de sistemas de qualquer natureza, é de se convir que é natural qualquer dúvida sobre a inviolabilidade da urna eletrônica.

A não ser que se acredite que a mesma possua em seus mecanismos “tecnologia Stark” ou seja “Wakandiana”, ou ainda tenha de fato tenham concepção divina, a urna eletrônica pode sim ser violada.

E se parte da sociedade tem dúvidas da lisura do sistema eleitoral, a atitude correta de qualquer Governo ou agente de estado seria usar de todos os meios possíveis para reconquistar a confiança de parte desta parcela de cidadãos que são incrédulos. É o que qualquer governo ou agente de estado sério faria.

Logo, as declarações de vários Ministros do STF, parlamentares, artistas, jornalistas que saem em defesa da “santidade da urna eletrônica” e defendem lisura de um sistema eleitoral, que deixa de barrar bandidos nos cargos eletivos cria, no mínimo, um paradoxo moral, pois, o mesmo indivíduo que defende esse sistema é o que não percebe que aos olhos dessa parcela da sociedade as urnas eletrônicas não são infalíveis.

Esta desconfiança passa também pela visão de que o sistema eleitoral está corrompido e a corrupção por óbvio pode não ter poupado a urna eletrônica, razão da inquietude desta parcela de cidadãos que entende necessário o voto impresso ou auditável.

A função primordial de qualquer governo é garantir a paz social, e as autoridades da República e opositores precisam entender que a desconfiança do cidadão brasileiro se dá justamente pelo fato de que este é vítima diariamente de um verdadeiro “bullying” por todas esferas do poder público quer seja pela prática sistemática e repetitiva de atos de violência física e psicológica, tais como afronta aos valores familiares, intimidação para desenvolvimento de atividades econômicas por regras estapafúrdias, quer seja pelo constrangimento à liberdade de expressão, morosidade na solução dos conflitos sociais, ineficiência, negação da realidade, defesa de castas de privilegiados da máquina pública, falta de transparência dos atos administrativos, principalmente em âmbito estadual e municipal.

Aos olhos do cidadão comum esse “bullying” são as decisões judiciais STF que perdoam crimes. São os calotes financeiros, golpes, que absolvem corruptos, permitem confisco por impostos criados por leis inconstitucionais. É o legislativo que pouco produz pela sociedade e o executivo que é um fardo caro e de pouco retorno pelo peso de seu custo.

A percepção do cidadão comum é que a “ santa urna eletrônica” que foi concebida em meio corrupto, de pouquíssimas virtudes e que pode estar severamente “contaminada” em sua essência corrompendo sua função essencial que seria preservar a lisura do voto, o que em última análise, deveria representar a vontade da maioria da sociedade quase nunca respeitada por nenhum dos Três Poderes da República.

E mais patético é o sermão dos profetas da “santidade das urnas”, que proferem argumentos contra essa busca de “paz social” por parte da sociedade que representa o voto auditável ou impresso.

Os profetas da “santidade da urna eletrônica” são os mesmos que quase sempre estão em defesa das minorias vulneráveis e pregadores da democracia de uma opinião só (a deles), que alegam o alto custo da implantação de um sistema que atenda a necessidade de segurança de parcela significativa da sociedade.

Para o cidadão comum que entende necessário que o voto seja impresso ou auditável para ter um mínimo de fé num sistema político, e judicial que lhe agride diariamente, chega a ser risível pela defesa da manutenção de um sistema de votação concebido e gerado em ambiente corrupto e tão desprovido de racionalidade.

Agentes de estado e políticos sem essa percepção clara da opinião de parcela significativa da sociedade, ignora ao bater de frente contra essa legitima postulação do voto impresso ou auditável.

A função “raiz” das razões que originam a formação dos Governos Democráticos é a paz social. É a garantia de que homens e mulheres possam se relacionar em todos os aspectos da vida de forma segura, sem percalços, tendo como o grande fiador desta confiança, os governos (Estado), sendo que um dos vários poderes que lhes são atribuídos pela sociedade está o mais importante deles: o poder de normatizar e de resolver conflitos.

E a solução para este conflito é justamente dar a esta parcela da sociedade o voto impresso ou auditável.

É hora dos agentes de estado e políticos pararem de agir como adolescentes e começarem a enxergar que seu papel não é impor a vontade estatal (que neste caso é infantil) à sociedade, e sim pacificar e tirar toda e qualquer dúvida da lisura do processo eleitoral e neste caso o custo de R$ 3 Bilhões de reais, justifica-se sim se o resultado for no futuro o restabelecimento na confiança do sistema eleitoral.

Se considerarmos o custo e orçamento dos 3 Poderes da República o valor representa menos de 0,5% do orçamento da União, e claro, o que esse custo representa pode retornar rapidamente à própria sociedade, pois, ao superar esse embate do voto impresso ou auditável a pauta política poderá ser redirecionada para outras mais relevantes para o país, tais como as reformas tributária e administrativa.

É importante também perceber que tal como os pais (sociedade) que aceitam a necessidade de independência e autonomia que os adolescentes (que neste momento da história são os poderes da República) vivem nesta fase, seja apoiando e orientando as suas iniciativas, seja criando espaço para que expressem os seus valores e opiniões e escolham as suas amizades, e neste caso todos os poderes da República devem se orientar em preceitos que visem a pacificação social e restabelecimento da confiança do processo eleitoral

Contudo, não se deve confundir compreensão com permissividade. Os adolescentes (os 3 Poderes) necessitam de pais (sociedade) com convicções firmes – isso constituirá um ponto de partida para que consigam estabelecer os seus próprios limites.

E neste caso os 3 Poderes devem sempre lembrar do máximo mandamento previsto na Constituição Federal de 1988 em seu art. 1º, § único: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”

Negar a esta parcela da sociedade que pede democraticamente o direito ao voto auditável ou impresso, é agir com negacionismo e vai além de um boato ou fake news pontual.

Acreditar na “santidade da urna eletrônica”, nada mais é que um sistema de crenças que, sistematicamente, nega o conhecimento objetivo, a crítica pertinente, as evidências empíricas, o argumento lógico, as premissas de um debate público racional, e tem uma rede organizada de desinformação que sempre trabalha e orienta a opinião pública para o mesmo lado e beneficiam o desvio do debate público sobre as coisas que realmente interessam.

Ou você acredita que a “urna eletrônica” é o único dispositivo computacional do planeta Terra invulnerável a invasão de hackers ou alteração de seus dados? Se acredita parabéns, você acredita no divino. Ou melhor é um adolescente que acredita no divino e para variar não ouve seus pais.

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