A Inexplicável Trégua de Vanazzi na Independência
POR JOÃO DARZONE – advogado e escritor
| SÉRIE: DESGOVERNO DO DIA |
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A decisão de interromper as obras entre os dias 24 de dezembro de 2023 e 2 de janeiro de 2024 não é apenas um contratempo; é um despropósito que coloca em xeque a capacidade de planejamento e a sensibilidade social da gestão atual de São Leopoldo.
Quando a Prefeitura de São Leopoldo anunciou, com pompa e circunstância, a revitalização da Rua Independência em outubro deste ano, o otimismo entre os comerciantes e residentes locais era palpável.
A promessa, amplamente divulgada, era de que as obras trariam uma nova vida e dinamismo ao trecho. No entanto, dois meses após a cerimônia de início, a realidade que se impõe é a da inércia e do silêncio das máquinas.
Desde o dia 25 de outubro de 2023, a primeira quadra da Rua Independência foi tomada por um cenário de expectativa por uma melhoria que, até o momento, em pleno final de dezembro, parece ter se evaporado junto com o estrondo das primeiras demolições.
A obra, que deveria ser um símbolo de avanço, tornou-se um emblema de frustração, especialmente para o comércio local que, em plena época de vendas natalinas, vê seus faturamentos caírem vertiginosamente.
A paralisação inexplicada coloca em cheque a eficácia da gestão municipal e desafia a confiança que foi depositada nas autoridades locais.
Os comerciantes, que foram incentivados a apoiar a iniciativa, encontram-se agora em uma situação precária, tendo que lidar com a diminuição do fluxo de clientes e, consequentemente, com a redução de suas receitas. O impacto é sentido em cada loja vazia e cada serviço não procurado.
E para agravar ainda mais o cenário, mesmo diante das dificuldades impostas pela própria gestão municipal, que estão dilacerando o faturamento do comércio na época que deveria ser de maior lucratividade, o Prefeito Ary Vanazzi não apresentou medidas paliativas como uma redução ou isenção no pagamento do IPTU enquanto perdurarem as obras.
Esta postura evidencia uma desconexão preocupante com a realidade enfrentada pelos comerciantes da Independência, apontando para uma falta de sensibilidade e compreensão de como o comércio local é afetado por tais intervenções urbanas.
A situação atual sugere que a Prefeitura de São Leopoldo pode estar à beira de enfrentar uma onda de reivindicações por indenizações, à medida que os comerciantes buscam reparação pelos prejuízos sofridos devido à paralisação das obras.
A responsabilidade civil do Estado, tão debatida em casos semelhantes, aqui surge como um fantasma a assombrar o Poder Público, que poderá ser chamado a responder pelos danos causados pela interrupção do progresso prometido.
A comunidade aguarda respostas e a retomada das obras com uma urgência que vai além da simples inconveniência. O desenvolvimento urbanístico é essencial e a modernização da Rua Independência é um projeto que pode trazer inúmeros benefícios.
Contudo, a administração pública deve lembrar-se de que seu compromisso vai além da execução de projetos: ela deve assegurar o bem-estar e a estabilidade econômica dos cidadãos impactados por suas ações.
Agora, com o Natal às portas e as obras em um impasse, os olhares se voltam para a Prefeitura em busca de um posicionamento claro e de ações concretas.
Os comerciantes da Rua Independência já não pedem apenas a conclusão da obra: eles exigem respeito e consideração pelas dificuldades que enfrentam.
A prefeitura não apenas corre contra o tempo para retomar o projeto, mas também para evitar um prejuízo maior, que se estende além do financeiro, atingindo sua credibilidade e sua capacidade de gerir os interesses da cidade.
As obras públicas, embora fundamentais para o desenvolvimento urbano e a modernização das cidades, acarretam uma série de transtornos que podem afetar significativamente a vida da população local.
Rotinas são alteradas e propriedades podem ser desvalorizadas em meio ao caos e incômodos como o bloqueio de vias e o excesso de ruído.
Tais transtornos, conhecidos como “fato da obra”, impõem o debate sobre a responsabilidade civil do Estado, que pode ser obrigado a indenizar os danos não pela ilegalidade, mas pelo princípio de suportabilidade desproporcional dos prejuízos causados aos cidadãos.
Exemplos históricos, como o caso do “Minhocão” em São Paulo, demonstram que o Judiciário pode determinar que o Estado indenize os indivíduos prejudicados pelas obras.
Decisões recentes, como as do Superior Tribunal de Justiça em 2017, reiteram que, se os danos provêm diretamente da execução da obra, é responsabilidade da administração pública responder por eles e compensar aqueles que foram afetados.
Diante do ritmo atual das obras, como a da Rua Independência, que podem se estender por mais de 30 meses considerando a estimativa de três meses por quadra e um total de dez quadras, a possibilidade de indenização para os comerciantes e moradores afetados torna-se cada vez mais concreta.
Os prejuízos resultantes dos transtornos podem ser passíveis de compensação, e fica evidente que, no avanço das cidades, o Estado deve equilibrar o progresso com a justiça e a devida compensação aos cidadãos que sofrem as consequências negativas desses projetos ambiciosos.
A situação na Rua Independência parece beirar o inacreditável, à medida que uma obra pública de tal magnitude e complexidade se permite um hiato inexplicável, estendendo-se do Natal ao amanhecer do ano novo.
O impacto é visível e dramático: negócios paralisados, vendas suspensas e serviços essenciais interrompidos, uma verdadeira cadeia de transtornos que inutiliza a dinâmica comercial em um período tradicionalmente lucrativo.
O Prefeito Ary Vanazzi, ao negligenciar as consequências dessa pausa extensa, parece ignorar o calor das chamas com que brinca. Cabe lembrar que, em política, quem brinca com fogo pode acabar se queimando, e o descontentamento popular pode ser o estopim que transforma essa paralisação em faísca para futuras controvérsias políticas.
Referência:
JORNAL NH. É oficial: começa a revitalização da Rua Independência. Disponível em: https://www.jornalnh.com.br/noticias/sao_leopoldo/2023/10/25/e-oficial-comeca-a-revitalizacao-da-rua-independencia.html. Acesso em: 27 dez. 2023.
MOLIN NETO, Walmor Francisco. Responsabilidade Civil e execução de obra pública. Revista Digital de Direito Administrativo, Ribeirão Preto, v. 5, n. 1, p. 267-280, out. 2017. Disponível em: www.revistas.usp.br/rdda. DOI: 10.11606/issn.2319-0558.v5n1p267-280. Acesso em: 27 dez. 2023.