POR QUE A OAB/RS DEVE RENOVAR?

Parte 2 de 7: A NECESSIDADE DE ALTERNÂNCIA DE PODER — Por JOÃO DARZONE – ADVOGADO E ESCRITOR

Um dos grandes pilares da democracia é, sem dúvidas, a alternância de poder. Inclusive, quando essa rotatividade entre governantes não acontece, é notória a incidência de excesso de poder, das tendências à autocracia [poder ilimitado e absoluto, não a crítica, o chamado beija-mão] e até mesmo a preservação de interesses pessoais. Esta realidade, amplamente observada na política, também incide em várias instituições de classe, como a OAB-RS.

A renovação da OAB-RS exige uma transformação profunda que transcenda a mera troca de nomes: é imperativo um novo modelo de gestão que priorize a eficiência administrativa, a transparência financeira e operacional, o enfrentamento proativo da grave crise econômica da advocacia, e a promoção de debates substantivos que realmente atendam às necessidades da classe.

Esta mudança deve substituir a cultura de eventos midiáticos e notas de repúdio por ações concretas e inovadoras, preparando a advocacia para os desafios tecnológicos e econômicos do futuro, enquanto assegura que a entidade seja um verdadeiro baluarte de apoio e desenvolvimento profissional, refletindo assim os princípios democráticos de alternância de poder e representatividade efetiva.

A advocacia gaúcha encontra-se em um momento altamente crítico, enfrentando desafios que exigem uma mudança significativa na liderança e na abordagem e de postura da OAB-RS. A necessidade de alternância de poder dentro da instituição com essa realidade tornou-se evidente, considerando a não representatividade da classe. Discursos e visitas institucionais só reforçam que não está a solucionar minimamente a realidade atual da profissão e as limitações da gestão vigente.

A advocacia gaúcha enfrenta uma série de desafios sem precedentes nos últimos anos, que exacerbaram as dificuldades já existentes e criaram novas barreiras para o exercício da profissão. Estes eventos, em sequência e sobreposição, tiveram um impacto profundo e duradouro na prática jurídica no Rio Grande do Sul:

Um dos pilares centrais da crise advocacia é não é debatido com amplo enfrentamento junto as autoridades do Tribunal de Justiça do RS que a implementação tardia e mal planejada da digitalização dos processos, especialmente no âmbito estadual, impôs um ônus desproporcional aos advogados.

Em março de 2020, 85% dos processos ainda eram físicos, e a transição abrupta durante a pandemia causou impactos econômicos devastadores para a classe.

A relação entre servidores, juízes e advogados nas comarcas do interior foi severamente afetada pela digitalização tardia. A falta de preparação adequada resultou em uma sobrecarga para os profissionais, que se viram obrigados a gerenciar simultaneamente processos pré-EPROC e novos casos digitais.

A seccional do RS tem se limitado a pressionar por emissão de certidões de suspensão de prazos devido a falhas do e-proc, sem oferecer suporte técnico efetivo para a transição digital.

Também não há um diagnóstico claro nem políticas efetivas para a criação de novos mercados para os advogados, em um cenário de saturação que perdura há décadas.

O passivo de precatórios estaduais ultrapassa R$ 20 bilhões, e a OAB-RS há muito abandonou o mapeamento e debate para mitigar este problema.

Um aspecto crítico que reflete a necessidade urgente de mudança na OAB-RS é a flagrante violação dos princípios de transparência e acesso à informação. Esta situação não apenas contradiz as normas estabelecidas, mas também mina a confiança da classe na instituição que deveria representá-la.

O Conselho Federal da OAB estabeleceu regras claras sobre a gestão e transparência financeira das seccionais, incluindo a disponibilização de informações detalhadas sobre execução orçamentária e financeira em meios eletrônicos de acesso público.

Um olhar atento no site oficial da OAB/RS (https://oabrs.org.br/) constata-se facilmente a ausência de qualquer informação financeira ou prestação de contas pública, em flagrante violação ao disposto no referido Provimento.

Esta omissão não apenas viola o Provimento 185/2018, mas também priva a advocacia gaúcha de seu direito de acesso a informações vitais sobre as atividades financeiras da OAB-RS, que ao fim e ao cabo reflete na diretriz que deve ser em prol da advocacia gaúcha.

As atas e resoluções do conselho da OAB-RS não são públicas, o que representa um grande contrassenso. Isso é especialmente grave considerando que o CFOAB e as próprias seccionais defendem em juízo a cobrança do poder público para o cumprimento da Lei de Acesso à Informação.

A OAB Nacional, através da ADI 6351, questionou a Medida Provisória 928/2020, que permitia a suspensão de prazos para a resposta aos pedidos de informação com base na LAI. O ex-presidente da OAB Nacional, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, enfatizou: “Na república não há espaço para o segredo no que se refere aos atos do Poder público. O cidadão possui direito ao acesso às informações, para controlar e avaliar as ações estatais”.

Esta falta de transparência na OAB-RS não apenas viola normas internas e princípios defendidos pela própria instituição em nível nacional, mas também compromete seriamente a confiança e a capacidade de participação efetiva dos advogados na gestão de sua entidade representativa.

É importante ressaltar que a necessidade de transparência não é uma demanda nova. Em 2015, o então presidente da OAB/RS, Marcelo Bertoluci, já destacava a importância deste princípio: “É um passo fundamental para a maturação e também para o aperfeiçoamento dos mecanismos das instituições. A lei não deve ser vista como uma cobrança, mas como uma possibilidade de avanço. Precisamos apurar de que forma os recursos vêm sendo distribuídos, pois não se trata apenas do investimento, mas de aplicá-los com qualidade” (OAB-RS, 2015).

Esta declaração, feita no contexto de uma campanha pela efetivação da Lei de Acesso à Informação, demonstra que a OAB-RS já reconhecia a importância da transparência há quase uma década. No entanto, a atual gestão parece ter se afastado desses princípios, evidenciando mais uma vez a necessidade de renovação e retorno aos valores fundamentais da instituição.

Paradoxalmente, a OAB-RS e outras seccionais encontram-se no mesmo patamar dos Tribunais brasileiros no que diz respeito ao descumprimento dos requisitos de transparência. Conforme reportagem do Conjur (2024), os tribunais brasileiros frequentemente descumprem os prazos estipulados pela Lei de Acesso à Informação (LAI) e não permitem recursos adequados.

Esta situação coloca a OAB-RS em uma posição contraditória, pois enquanto defende a transparência e o cumprimento da LAI por parte de outras instituições, falha em aplicar esses mesmos princípios em sua própria gestão.

Esta contradição não apenas enfraquece a credibilidade da OAB-RS como defensora da transparência e do Estado de Direito, mas também levanta questões sérias sobre a coerência entre o discurso e a prática da instituição.

A renovação da liderança da OAB-RS deve, portanto, priorizar não apenas a implementação efetiva de práticas transparentes, mas também estabelecer a instituição como um exemplo a ser seguido por outras entidades públicas e privadas.

Há mais de dois milênios, Aristóteles já reconhecia a importância da alternância de poder. Em “A Política”, ele observa: “se a superioridade dos chefes sobre os súditos fosse clara e incontestável, não se poderia negar melhor seria que os mesmos homens mandassem sempre ou obedecessem”.

A alternância de poder na OAB-RS não é apenas desejável, mas necessária para enfrentar os desafios atuais e futuros da advocacia gaúcha. É preciso uma liderança que não apenas compreenda os problemas, mas que tenha a coragem e a visão para implementar mudanças significativas.

A próxima eleição representa uma oportunidade crucial para a advocacia gaúcha repensar o papel e a atuação da OAB-RS. É o momento de exigir uma gestão que priorize a eficiência, a transparência e, acima de tudo, o bem-estar e o desenvolvimento profissional dos advogados e advogadas do Rio Grande do Sul.

A mudança é não apenas possível, mas imperativa. O futuro da advocacia gaúcha depende de uma OAB-RS renovada, dinâmica e verdadeiramente representativa. É hora de dar o próximo passo em direção a essa transformação necessária, garantindo que a instituição sirva verdadeiramente aos interesses da classe e não aos de um grupo específico que se perpetua no poder.

A transparência e o acesso à informação devem ser prioridades imediatas para qualquer nova gestão. Só assim a OAB-RS poderá recuperar a confiança de seus membros e cumprir efetivamente seu papel como instituição representativa e defensora dos interesses da advocacia gaúcha.

Como a história e a sabedoria de Aristóteles nos ensinam, a alternância de poder é fundamental para o progresso e a vitalidade de qualquer organização democrática. Portanto, é chegado o momento de a advocacia gaúcha exigir uma transformação profunda na gestão da OAB-RS, pois, pois como diria Albert Eisntein: “NÃO ADIANTA QUERER RESULTADOS DIFERENTES, FAZENDO TUDO IGUAL.”

Referências

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