O Desafio das cidades inteligentes na luta contra desastres climáticos
A preparação das cidades para enfrentar catástrofes naturais exige mais do que tecnologia, é preciso colaboração e planejamento integrado.

Em um mundo marcado pela aceleração das mudanças climáticas, onde catástrofes naturais se tornam cada vez mais frequentes e intensas, a resiliência das cidades se torna um desafio crucial. Para se proteger contra os impactos dessas mudanças, as cidades precisam ser mais do que apenas tecnológicas – devem ser inteligentes, preparadas e adaptáveis. Isso significa, além do uso de tecnologias avançadas, um esforço conjunto de diversos setores da sociedade para construir soluções que garantam maior resistência às adversidades climáticas.
O teste de Porto Alegre no enfrentando ao impacto das chuvas
Em maio de 2024, Porto Alegre, a capital do Rio Grande do Sul, foi severamente impactada por chuvas históricas que quebraram recordes de precipitação e resultaram em uma série de enchentes devastadoras. A cidade, que havia formalizado sua candidatura como “hub de resiliência” pela Organização das Nações Unidas (ONU), viu sua infraestrutura ser colocada à prova de forma dramática. O volume de chuva registrado superou os 500 milímetros no bairro Jardim Botânico, algo nunca antes visto nos 124 anos de monitoramento do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
O impacto foi devastador. Vários rios que cortam a Região Metropolitana transbordaram, levando a cidade a um colapso. As enchentes não atingiram apenas Porto Alegre, mas afetaram cerca de 471 dos 497 municípios do estado do Rio Grande do Sul, resultando em mais de 180 mortes e causando prejuízos financeiros que, segundo estimativas, somam R$ 70 bilhões.
Apesar de ter sido reconhecida pela ONU como uma cidade com potencial para ser um modelo de resiliência, Porto Alegre viu sua preparação falhar na prática. O sistema de drenagem da cidade, que inclui comportas e casas de bombas projetadas para aliviar a pressão das águas, estava precariamente mantido. Em setembro de 2024, ficou claro que, durante o período de busca pelo selo de resiliência da ONU, a cidade não havia investido adequadamente em melhorias essenciais para sua infraestrutura de proteção contra enchentes.
Cidades que adotam ações eficazes são exemplos de sucesso
A crise em Porto Alegre revela uma dura lição sobre a importância da prevenção e do planejamento. Ao redor do mundo, cidades que passaram por tragédias semelhantes têm adotado medidas de prevenção e mitigação com resultados mais positivos. Em Salvador, após desabamentos que mataram 17 pessoas em 2015, a cidade desenvolveu um plano de redução de riscos, estabelecendo programas de capacitação para moradores de áreas vulneráveis e criando um centro de monitoramento. Essa atuação levou Salvador a ser reconhecida como um hub de resiliência pela ONU, assim como Campinas, que reduziu significativamente áreas de risco após mortes causadas por chuvas em 2003.

Essas cidades mostram que, quando se trata de desastres naturais, prevenir é sempre melhor do que remediar. De acordo com o Escritório das Nações Unidas para Redução do Risco de Desastres (UNDRR), cada dólar investido em prevenção pode gerar economias de até 15 dólares em custos de resposta a desastres. Além disso, países com sistemas efetivos de prevenção têm uma mortalidade até oito vezes menor em comparação com aqueles que não adotam essas medidas.
O caso de Copenhague, na Dinamarca, é um exemplo notável de como a integração de tecnologias e planejamento urbano pode resultar em soluções inovadoras. A cidade implementou o *Cloudburst Master Plan*, um plano de gestão das águas pluviais que transformou 250 espaços públicos em áreas de retenção e redirecionamento de água. A estratégia utiliza a capacidade natural do solo, das árvores e dos arbustos para absorver as chuvas e evitar alagamentos.
Mais que tecnologia, é necessário planejamento coletivo
O conceito de “cidade inteligente” surgiu nos anos 2000, associado principalmente a grandes metrópoles, como Londres e Nova York, e à aplicação de tecnologias digitais para resolver problemas urbanos. Hoje, no entanto, o conceito evoluiu para englobar uma abordagem mais holística, onde a tecnologia se soma à participação ativa da comunidade no planejamento e gestão da cidade.
Essas cidades não se limitam ao uso de tecnologia, mas valorizam a colaboração entre cidadãos, autoridades e empresas para criar soluções mais eficazes. A gestão urbana, especialmente em tempos de adversidades climáticas, exige um envolvimento contínuo da população, que deve participar ativamente na tomada de decisões sobre o uso do espaço urbano e a implementação de políticas públicas.
Além disso, o conceito de cidades inteligentes foi ampliado para incluir cidades de médio e pequeno porte, que, como Porto Alegre, também estão expostas a desastres naturais. As cidades do interior não estão mais imunes aos efeitos das mudanças climáticas, e precisam investir em soluções inovadoras para se tornarem resilientes.
Tecnologia e participação são o caminho para uma cidade resiliente
A chave para uma cidade resiliente vai além da simples aplicação de tecnologias. É preciso combinar inteligência urbana com um sistema de participação cidadã. Isso inclui, por exemplo, o uso de dados e simulações para prever possíveis cenários de desastre e garantir que os planos de evacuação e resposta sejam eficientes.
A utilização de softwares de simulação de comportamento de multidões, desenvolvidos por pesquisadores da PUCRS, é um exemplo de como a tecnologia pode auxiliar em estratégias de evacuação em momentos críticos. Esses sistemas permitem prever as melhores rotas de fuga e determinar a quantidade de abrigos necessários em situações de crise, como no caso da enchente que atingiu Porto Alegre.
Além disso, a integração de dados públicos e privados também é essencial. Cidades como Copenhague e Portland estão liderando iniciativas que compartilham dados entre o poder público e empresas privadas para criar soluções mais eficazes para problemas urbanos. Essa colaboração pode gerar soluções inteligentes para mobilidade, segurança e até mesmo para a gestão de desastres naturais.
A nova era das cidades resilientes: Soluções circulares e sustentáveis
Uma nova abordagem para o futuro das cidades resilientes está ganhando força: as cidades circulares. Esse conceito, que surgiu em 2020, busca integrar os princípios da cidade inteligente com práticas sustentáveis. O foco é criar um ciclo contínuo de gestão de recursos, onde as cidades buscam maximizar a eficiência no uso de água, energia e espaço urbano, ao mesmo tempo que minimizam os impactos ambientais.
A professora Cibele Vieira, da PUCRS, destaca que as cidades circulares vão além da utilização de tecnologias. Elas também repensam a maneira como a cidade é ocupada e a infraestrutura é planejada. Isso significa criar soluções de transporte público integrado, evitar a expansão indiscriminada de estacionamentos e promover o uso de espaços públicos para a convivência comunitária, em vez de criar áreas isoladas e segregadas.

Construindo cidades para o futuro
À medida que o clima se torna mais imprevisível, a resiliência das cidades será um fator determinante para a sobrevivência e o bem-estar de suas populações. Para isso, é necessário um compromisso de longo prazo com o planejamento urbano inteligente, a colaboração ativa entre cidadãos e autoridades, e o investimento em tecnologias que possam prever e mitigar os efeitos dos desastres naturais.
As cidades do futuro precisam ser capazes de aprender com as tragédias do presente, adotando medidas preventivas que protejam as pessoas e os patrimônios. As lições de Porto Alegre, Copenhague, Salvador e outras cidades ao redor do mundo nos mostram que a verdadeira resiliência vai além da simples resposta a desastres: trata-se de um esforço contínuo para criar espaços urbanos que sejam, ao mesmo tempo, sustentáveis, adaptáveis e inclusivos.