Primeira extração de azeite de oliva no país completa dez anos
Em 2018, o Brasil comemora dez anos da primeira extração de azeite extravirgem, realizada em Maria da Fé (MG), município pioneiro na olivicultura no país. De lá para cá, as plantações de oliveiras têm se tornado paisagens cada vez mais comuns no país, que é um dos maiores importadores do óleo. De 2008 até 2016, a área plantada ou destinada à colheita da azeitona saltou de 6 para 575 hectares, conforme dados da Pesquisa Agrícola Municipal (PAM), do IBGE. Além de Minas Gerais, a pesquisa mostrou também que o cultivo está presente no Espírito Santo, São Paulo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
A região dos Contrafortes da Mantiqueira – entre MG, SP e RJ – apresenta as condições climáticas ideais para o cultivo e se destaca como polo produtor. A Epamig (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais) foi a responsável pela extração pioneira do óleo em Maria da Fé, onde mantém um campo experimental desde a década de 1970. As primeiras mudas da espécie chegaram à cidade junto com uma família portuguesa, em 1935. Algumas delas enfeitam até hoje o centro do município e foram responsáveis por incentivar os estudos.
Os trabalhos de melhoramento genético e seleção natural já renderam o desenvolvimento de oito cultivares brasileiras. Uma delas, a MGS Mariense, conhecida como “Maria da Fé”, é derivada das primeiras árvores trazidas da Europa. “Com essas pesquisas, a gente foi encontrando algumas cultivares que eram até mais adaptadas do que aquelas primeiras. A que mais se ambientou é a arbequina, que é espanhola. Mas, para a oliveira ter boa produtividade, é recomendado plantar pelo menos dois ou três tipos na mesma área. Na Mantiqueira, também temos a grappolo, de origem italiana, e a koroneiki, grega”, disse o pesquisador da Epamig, Pedro Moura.
Versátil e saudável
Eduardo Maya trabalha com gastronomia há 20 anos, 15 deles em contato direto com o azeite. Apaixonado pelo produto, ele afirma que o consome diariamente e que há muito espaço para o seu crescimento no Brasil. “Os gregos são os maiores consumidores: 25 litros por ano. O europeu ingere por volta de 15 litros, e o brasileiro agora está tomando 600 ml por ano”, contou.
De acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), também do IBGE, a aquisição domiciliar per capita anual do azeite de oliva apresentou queda entre 2002 e 2008 no Brasil, saindo de 193 ml para 178 ml. Porém, ela cresceu expressivamente nos estados do Sudeste, além do Mato Grosso do Sul, Distrito Federal e Ceará, por exemplo. O aumento mais acentuado é observado em São Paulo, que em 2008 registrou aquisição per capita anual de 299 ml. A pesquisa, que está em fase de coleta, não considerou o consumo fora do lar.
No mundo, existem mais de mil cultivares diferentes, que variam em sabor e aroma. O produto nacional apresenta características de amargor e picância distintas de outras regiões produtoras, assim como aroma frutado. Além disso, o frescor do óleo brasileiro é uma vantagem competitiva, já que quanto mais jovem ele for, mais fortes são as suas características e componentes, sendo recomendado o consumo no primeiro ano após a produção. “Dá para fazer bolo, pão, chocolate e sorvete com azeite. Se você coloca um tipo que tem notas de baunilha em uma torta, fica um luxo”, acrescentou Maya.
Além de agradar o paladar, o ingrediente também é benéfico para a saúde. “Ele possui uma quantidade elevada de ácidos graxos monoinsaturados que reduzem o colesterol LDL no sangue. Esse tipo de gordura possui ação anti-inflamatória, contribuindo com o tratamento de diversas doenças. O alimento também é uma fonte de vitamina E e de antioxidantes, que atuam no combate aos radicais livres responsáveis pelo envelhecimento celular”, disse a professora do Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Marina de Oliveira. Ela ainda explicou que quanto menor a acidez, melhor é a qualidade nutricional do azeite.
Atividade em crescimento
Foi depois de conhecer a experiência com as oliveiras em Maria da Fé que o gastrônomo Maya decidiu produzir azeitonas, aliando a paixão pelo óleo de oliva com a vontade de iniciar um negócio agropecuário. Faz oito anos que ele cuida com carinho especial da lavoura e agora fez a sua primeira extração. “A expectativa é enorme. Não é fácil porque estamos em um lugar quente, próximo a Belo Horizonte, no Contraforte da Serra do Cipó, então é uma experiência nova”, contou.
Entendedor desse segmento, Maya disse que o azeite nacional ainda precisa encontrar sua identidade e, depois, fortalecê-la. “Vejo o mercado com cautela. Nosso azeite é ‘plano’ [muito suave], precisamos trazer espécies com mais polifenol [substância presente em diversos alimentos que dá mais estrutura e sabor ao líquido]”.
A extração é feita por uma máquina centrífuga logo após a colheita das azeitonas, a fim de evitar a oxidação. Ela tritura os frutos com os caroços, resultando em uma massa que é batida para liberar o óleo. Em seguida, o equipamento gira em alta velocidade e separa, por densidade, o azeite da massa, a qual pode ser usada como composto orgânico. Em Maria da Fé, já existem profissionais que utilizam esse resíduo para fabricar sabonetes e cosméticos, além de artesanato feito com a madeira da árvore.
Cada litro de azeite exige 10 kg de azeitonas. Considerando apenas a região dos Contrafortes da Mantiqueira, a quantidade extraída cresceu de 40 litros no primeiro ano para 42 mil litros em 2017, com a expectativa de aumentar para 80 mil litros em 2018. Estima-se que existam em torno de 200 olivicultores, distribuídos em 70 municípios e uma área plantada de aproximadamente 2.500 hectares (um milhão de plantas). “A maioria dos pomares ainda não atingiu 10 anos de idade, por isso a produção não está tão alta”, ressaltou o pesquisador Pedro Moura.
Por se tratar de uma cultura nova no Brasil, ela ainda está em adaptação. O risco associado ao cultivo e o alto investimento inicial moldam um perfil diferente de agricultor. Marcelo Bonifácio, de 43 anos, decidiu investir no ramo a partir de 2015, com a intenção de diversificar o negócio de eucaliptos. O empresário comprou uma propriedade em Maria da Fé e trabalha na recuperação das cerca de 30 mil árvores já plantadas em 40 hectares. “Os olivicultores não são produtores convencionais. O pessoal tradicional daqui, que cria gado e planta batata, tem medo dessa cultura, porque ela ainda é pouco conhecida”, disse.
O retorno do investimento também pode intimidar interessados, já que as oliveiras começam a produzir com cerca de três a quatro anos de idade, amadurecendo e atingindo o potencial produtivo a partir dos oito. Assim como tem feito outros empreendedores rurais, Marcelo adquiriu a máquina para extração do azeite, utilizada para a produção própria e também para a prestação do serviço na região. Para driblar as poucas informações sobre a cultura, ele recorre a consultores com experiência em países próximos, como Chile e Argentina.
Potencial econômico
Já Wilson Roberto da Silva, de 47 anos, vai na contramão da tendência. Nascido em Maria da Fé, ele cultiva oliveiras desde 2005 e chegou a extrair 80 litros do óleo no ano. Sua produção é variável, já que o servidor público cuida sozinho da plantação. “É um ‘14º salário’, porque ainda não dá para largar tudo e ficar só com isso. Se eu estiver com vida e saúde, pretendo aposentar e continuar mexendo com a olivicultura”.
Apesar de ser um investimento a longo prazo, Wilson destaca a longevidade dos olivais como uma vantagem, já que as plantas podem ultrapassar os 100 anos de idade. Além disso, ele vê com bons olhos o fim da “monocultura da batata” no município, que causaria mais impactos ambientais. O produtor contou ainda que a atividade impulsionou o turismo em Maria da Fé, já famosa pelo clima frio. “Acho que a tendência é ter mais gente produzindo e o preço cair para o consumidor em geral. Vejo isso como uma boa saída para Maria da Fé: o artesanato e o azeite”.
A expansão da olivicultura no Brasil é muito ditada pelo clima, já que todas as cultivares existentes são exigentes quanto à temperatura. Enquanto os olivais ainda caminham para alcançar a maturidade e o pico de produção, o azeite nacional é vendido com foco turístico, pelo valor médio de R$ 140 o litro. É esperado que, em alguns anos, a quantidade equilibre o preço e permita a inserção do produto em outros mercados.
A Associação dos Olivicultores dos Contrafortes da Mantiqueira (Assoolive), que conta hoje com 55 membros, trabalha também para o reconhecimento da Indicação Geográfica do azeite dessa localidade. Além disso, durante o evento de comemoração dos dez anos da primeira extração no Brasil, foi anunciada em Maria da Fé a criação do programa de certificação para a olivicultura, a cargo da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Governo de Minas Gerais. A iniciativa, junto com outras também divulgadas na ocasião, promete fomentar a produção mineira e tornar o produto mais competitivo. Atualmente, a região tem em torno de 40 marcas de azeite.